MINAS GERAIS
O sol do meio da tarde projetou a silhueta do Boeing na pista do aeroporto Tancredo Neves, em Confins, dando início à viagem as cidades mais representativas na história das Minas Gerais, cujas chuvas de janeiro nos obrigaram a adiar.
Num ônibus tão confortável quanto os melhores aviões, fomos transportados para o hotel no bairro Savassi em Belo Horizonte, digo Belzonte, ou melhor Bê-agá.
É voz corrente em Minas Gerais que: “o Paulista ganha dinheiro, o Carioca gasta e o Mineiro economiza”, até nas palavras...
BH, como toda cidade grande, sofre os malefícios dos traficantes, das drogas e seus usuários que são vistos aos bandos nos pés dos viadutos ou nas praças menos frequentadas.
Nesses momentos não sei por onde anda o pessoal dos Direitos Humanos, OAB e outros hipócritas de plantão que não interferem para inibir o rentável tráfico das drogas, mas que surgem como num passe de mágica quando a Polícia age para restabelecer a ordem e a prática dos bons costumes.
Conforme havia prometido, e promessa é dívida, liguei para Fábio Brandão, confrade recantista, e nos encontramos para um chopinho com pizza e para comentarmos sobre os nossos maravilhosos colegas deste espaço que se tornou em entretenimento literário. Parafraseando os Mineiros, posso garantir que Fábio é um colega “bom de mais da conta, sô”...
Dia seguinte, logo cedo, com o pessoal da excursão reunido (éramos 31 com seu Pedro, o motorista) seguimos para Diamantina, com direito a visitar a Gruta do Maquiné, impressionante e belíssima obra de arte que a natureza, por milhões de anos e incontáveis gotas d’água, arranjou os cristais de Carbonato de Cálcio em formas bizarras que o nosso cérebro, habituado que é em entender as coisas que vemos por comparação identifica entre as estalactites, formas de colunas, cálices, véus, cascatas, coruja, boi, morcegos pendentes do teto da caverna que se eleva muito acima das nossas cabeças em salões sucessivos ligados por estreitos corredores.
Infelizmente, também ali, naquele mundo, diferente e único, se pode sentir o efeito das alterações climáticas e do regime das chuvas. Já não há aporte de água bastante para manter a umidade e o pó, pouco a pouco está cobrindo a cintilância dos cristais.
Encantados pelas belezas e pelo acolhimento do povo Mineiro, fomos para o restaurante.
Fiéis ao principio da economia das palavras, o Mineiro aglutinou senhor em Sô e senhora em Sá.
A melodia da palavra Sô é sobejamente conhecida, mas do Sá, eu só conhecia a grafia, muitas vezes utilizada pela consoror Marina Alves nos comentários que faz sobre os trabalhos de Maria (minha irmãzinha) Mineira e fiquei encantado ao ouvir, pela primeira vez, essa palavra dita por uma das moças que, gentilmente, servia a nossa mesa ao recomendar a uma outra que trouxesse a cerveja mais gelada que tivesse para acompanhar o meu almoço.
Há o almoço!
Torresmo, tutu de feijão, arroz, salada, linguicinha, frango ao molho pardo (que em Pernambuco chamamos “cabidela”), costelinha de porco... E os doces de abóbora com coco, de mamão, de cidra, de leite, acompanhados com generosas porções de queijo...
Delícias!
Em Cordisburgo (cidade do coração), local de nascimento de Guimarães Rosa, tivemos a oportunidade de assistir as adolescentes contadoras de histórias no museu que está instalado na casa onde nasceu o escritor. E foi nessa apresentação, que elas me fizeram entender o porquê da maneira singular com que Guimarães Rosa acentuava seus escritos.
Na verdade ele tentava transferir para a grafia, a modulação do falar Mineiro, as pausas e o tom das palavras, ora lentas (como os carros de bois), ora apressadas (como trotes de mulas) e muitas paradas, onde o vazio sonoro instiga a imaginação do interlocutor para compor as cenas onde a história se desenrola.
A partir de agora, quando for reler Guimarães Rosa, saberei “ouvir” exatamente o que ele escreveu.
Por que o pessoal dos Direitos Humanos, OAB e os demais não encaminham para esse tipo de atividade os jovens dos grupos de riscos das grandes cidades?
Já era noite quando chegamos à Diamantina.
É impossível não lembrarmos o Samba do Crioulo Doido
– “foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu se casá...”
A lua flutuava bem acima da Serra do Espinhaço, encimada pelo cruzeiro, símbolo da fé católica predominante.
Visitamos a Casa da Glória, a de JK, a de Chica da Silva, o mercado dos tropeiros, bebemos água da fonte...
... frango com quiabo, paçoca de carne seca, feijão tropeiro, torresmo, queijo, doce de mamão verde, de leite, de abóbora...
- “mas Chica da Silva tinha outros pretendente, e obrigou a princesa, a se casá com Tiradente...”
Fomos ver a vila de Biribiri, a Cachoeira da Sentinela e o Caminho dos Escravos.
Em Tiradentes visitamos a estátua do Mártir da Independência e conhecemos a fundição de peças de estanho de rara beleza.
Ouro Preto, São João Del Rei, Congonhas, onde as obras de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nos dão a certeza da genialidade do grande escultor.
Na via sacra de Bom Jesus de Matosinhos, diante das suas obras vemos nascer a identidade da arte brasileira com a sutil substituição dos ícones europeus por nossas características mestiças.
Ali vemos desfazerem-se a fixidez e as linhas retas em volutas de contornos suaves e os tecidos (de pedra ou madeira) sendo açoitados pelo vento.
A imagem de Nossa Senhora das Mercês, caminha em nossa direção, com os braços abertos, como a dizer: sejam bem vindos... assim como a face sorridente de Jesus (única no mundo) entalhada no portal de entrada da igreja onde repousam os restos mortais de Tancredo Neves, primeiro presidente eleito na atual fase da nossa república.
Visitamos uma mina de extração de ouro, vimos o Pico do Itacolomi e fomos de trem de Ouro Preto até Mariana.
... pãozinho de queijo, bolo de milho, biscoito de polvilho, cocada, goiabada cascão, lombinho de porco com ora-pro-nobis, doce de queijo...
- “lá, lá, lá, lá, lá, iá, o bode que deu vou te contá...”
Igrejas, igrejas, igrejas, pátios, museus, ladeiras subindo, ladeiras descendo (nunca plano horizontal), festival de inverno, frio de 6ºC à noite, calor de 27ºC durante o dia, cafés reforçados nas manhãs, almoços e jantares, lanches no meio deles, cafés expressos, cervejas, doses generosas da deliciosa aguardente mineira, águas de fontes duvidosas, pães de queijo, pizzas, batatas recheadas, queijos, doces, doces, doces...
O organismo velho não aguentou.
Durante o jantar de confraternização, com direito a amigo secreto, um terrível mal estar foi o meu mais íntimo colega.
Na vinda para Belo Horizonte, nem pude ir fazer a serenata prometida para a consóror Lilia Costa quando passamos por Itabirito e, na chegada, fui tomar soro no hospital de pronto socorro da capital.
Foram nove dias inesquecíveis onde tive a oportunidade de conviver com pessoas às quais fui apresentado no primeiro dia, mas que se transformaram nos meus mais novos amigos de infância.
... brevidades, pão de queijo, biscoito de polvilho, café no bule de estanho, nooooosinhora! é trem bão di mais da conta sa...
Qualquer dia desses eu vou voltar...