Carybé e o leonino chato!
 
                                              Ygor da Silva Coelho
  
 
      Não sei se é porque sou leonino, gosto de prestar atenção nos detalhes, mostrar as coisas e dar opiniões. Gosto de olhar a cidade, fotografar, sair à toa, conversar, simplesmente conversar com conhecidos e desconhecidos.
 
      E com todo este sentimento reunido é que me vi hoje numa fila na sala do Patrimônio da União, na Cidade Baixa, em Salvador, para resolver uma pendência burocrática. Com a devida senha na mão, sento-me na sala da instituição e observo uma belíssima pintura ocupando toda extensão da parede. Não sou um conhecedor de arte, como meus amigos Hermes Peixoto e Lita Passos, mas logo desconfio que se trate de um Carybé. Entusiasmado com a beleza da obra, caminho de um lado da sala para o outro, mirando o quadro em busca da assinatura e da data. Não há, mas tenho convicção, é um Carybé! Adoro Jorge Amado, Caymmi, Mario Cravo, Genaro de Carvalho todos estes baianos, não vou me confundir com Carybé!
 
      Mas, como eu disse, leonino é curioso e gosta de conversar. Eu estava com a senha 36 e atendiam a de número 14. Um bom tempo para apreciar aquele Carybé, ou puxar conversa com alguém. É quando senta ao meu lado um jovem senhor, impecavelmente vestido num terno preto. Deixo passar uns segundos e pergunto:
 
- Aquele quadro me parece um Carybé. O que acha? .O jovem senhor faz um muxoxo, apenas balança a cabeça negativamente, e diz:
 
- Não sei. Calo-me e penso com os meus botões que “burros” não deveriam ter o direito de usar terno.
 
      As senhas são chamadas lentamente. Resolvo levantar, estirar as pernas e me sento já em outra fila, ao lado de um casal de meia idade. Aguardo uns minutos e ataco:
 
 - Aquele quadro me parece um Carybé. O que vocês acham? A senhora, simpática, sorri e diz: 
  
- Não estou reconhecendo. Não me dei por satisfeito e provoco o homem, fixo meu olhar 43 nele, quase o obrigando a falar. E para minha surpresa ele murmura algo, que entendi como:
 
- No lo sé. Será que este cabra é argentino, pergunto-me? Se for, tem alguma razão para estar P da vida, por causa da surra recente que o time do Boca Juniors tomou do Corinthians. Não tem total razão, para desconhecer, porque Carybé era um argentino radicado na Bahia, bastante conhecido em Buenos Aires. O senhor, entretanto, poderia ser paraguaio e aí tenho que perdoar, pois o seu mau humor pode ser pela vergonha do impeachment do Presidente Lugo, na semana passada!
 
      O tempo não passa. Chamam a senha 25. Era exatamente a do casal e fico livre deles. É quando senta ao meu lado uma senhora, morena, baiana típica, destas que poderiam estar no elenco de Gabriela, da TV Globo.
 
      Podem crer, quem me conhece sabe, leonino é chato. Deixo passar uns minutos e pergunto à baiana:
 
- Aquele quadro me parece um Carybé. A senhora conhece? Não sei se ela entendeu mal, mas, enfim, foi quem acertou por linhas tortas ao completar com outra pergunta:
 
- Um candomblé?
 
Acertou, sim! Carybé retratou, como ninguém, a cultura da Bahia, freqüentou terreiros de candomblé, era amigo de Joãozinho da Goméia. Ele ilustrou o livro Lendas Africanas dos Orixás, de Pierre Verger. Ele foi “Obá de Xangô”, do terreiro “Ilê Axé Opô Afonjá”. A baiana acertou, sim!
 
Mas Carybé é muito mais. Tem obras por todo o mundo, tem reconhecimento internacional. O aeroporto de Miami, nos States, tem dois murais feitos por ele: “Alegria e Festa das Américas" e "A Conquista do Oeste”. Carybé era fera!
 
Mas, com licença, parece que estão chamando a minha senha...
- Senha 36, senha 36...
Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 10/07/2012
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T3770834
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