Caetaneando
Hoje me deu uma baita vontade de ouvir Caetano Veloso. Há muito tempo meu micro system não o tocava.
Quando comecei a ouvir o CD, me ocorreu uma ideia: Por que não criar uma crônica sobre ele? Ainda mais que, esse ano, ele completa 70 anos de idade. Não só ele, mas Gilberto Gil, Milton Nascimento e Paulinho da Viola também. A MPB está em festa, comemorando os setenta anos, de quatro, de seus maiores ícones.
Há alguns dias, li no jornal uma reportagem especial sobre os quatro setentões. Mesmo conhecendo a história desses ídolos, ainda assim, me surpreendi, tamanho é o acervo de discos, composições, shows, participações em programas de TV, participações em Festivais, turnês no Exterior, enfim, quanta coisa eles realizaram, juntos ou separados, durante quase cinquenta anos de carreira! Na realidade, Gilberto Gil também completa cinquenta anos de música nesse ano de 2012, pois desde 1962 está na estrada. Os outros três surgiram no cenário musical em 1965.
Mas, hoje, meu foco é Caetano Veloso.
Gente, o que é esse baiano?! De onde vem tamanha inteligência, sabedoria, consciência? De onde surgiu, e ainda surge, tanta inspiração? Acho que ele não é daqui desse planeta! Como ele consegue ser, ao mesmo tempo, filósofo, político, cientista, alternativo, tradicional, contemporâneo, místico, pós-moderno, romântico, rural, urbano, social, etc.? Caetano é um homem antigo, cronologicamente falando, mas continua jovem, com todo vigor, com toda lucidez, com toda vivacidade, com toda jovialidade, que só os jovens têm. Talvez porque sua alma ainda seja jovem. Como ele mesmo disse na reportagem, se sente como um adolescente: “...Então posso dizer que sempre fui adolescente. Quinze anos é a minha idade. Talvez 14. O resto são marcos exteriores que não me dizem respeito...Como adolescente, sinto o gosto das descobertas, tenho medo, tenho imensa alegria, começo a ousar dirigir a palavra a estranhos, não apenas a papai e mamãe.”
A primeira música do CD (que é uma coletânea) é “Alegria, alegria”, e já me levou longe: ao começo da década de 1970. Nessa época, eu era adolescente e, como todo adolescente, pensava e sentia mil coisas ao mesmo tempo. Estava apaixonada, sonhava em conquistar o garoto que não correspondia aos meus sentimentos. Eu chorava muito, mas me divertia muito também. Era o tempo de ginasial, de grandes amizades, de grandes descobertas. Caetano vivia o pesadelo do exílio imposto pelo Governo Militar, mas aqui, no nosso “mundo inocente”, sem ter noção do que ocorria de fato nas alcovas dos generais, apenas ouvíamos a música e nos deliciávamos com seu ritmo alegre.
A seguir vem “Soy loco por ti America”, composição de Gilberto Gil e Capinan, que também fala de guerrilhas. Dizem que foi feita para Che Guevara, o mais conhecido guerrilheiro da América Latina. E depois vem “Tropicália”, “Superbacana”, “Atrás do trio elétrico”, “Shy moon”, “Lua de São Jorge”, “Queixa”, “Sampa”, “Podres Poderes”, “Você é linda”, “O leãozinho”, “Odara”, “Qualquer coisa”, “Eclipse oculto”, “Trilhos urbanos”, “Trem das cores”, “Outras palavras”, “Beleza pura”. A cada música uma lembrança, a cada refrão uma viagem aos idos de 1970 e 1980. Quantas histórias minhas e de tantas pessoas tiveram trilha sonora de Caetano?
E mesmo depois, já mais tarde, ele se fez presente, com suas trilhas de novelas e de filmes. Quem não se lembra de “Lisbela e o prisioneiro”, filme com Selton Melo e Débora Falabella, em que Caetano cantava: “Agora, que faço eu da vida sem você, você não me ensinou a te esquecer, você só me ensinou a te querer, e te querendo vou tentando me encontrar...”? Essa música, de Fernando Mendes e regravada por Caetano, ganhou uma beleza extraordinária com sua voz. Aliás, o mesmo aconteceu com “Sonhos” e “Sozinho” de Peninha. Lindas! Caetano além de tudo é mágico, transforma canções de outros autores em verdadeiras obras primas. Também transforma fenômenos bioquímicos da natureza em canção: “Luz do sol, que a folha traga e traduz em verde novo...”, isso é Fotossíntese, gente!
E assim, passei deliciosas horas da minha tarde, Caetaneando, lembrando de tantos momentos bons que aconteceram em minha vida, viajando nas palavras de um gênio que, aos setenta anos ainda consegue ter o frescor, a leveza, a amenidade, a sagacidade, que só alguém transcendental pode ter.
Mas, não podia encerrar esse texto sem reproduzir um trechinho de uma das minhas canções favoritas:
Você é linda
Fonte de mel
Nuns olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim...