Pelo direito de não gozar!
Ó, seres que tendes a capacidade de converter tudo em uma enfadonha obrigação! Sois incapazes de entregar-vos a algo que não tenha sido previamente anotado em vossas intermináveis listas de afazeres. Igualmente, uma vez ali escritas, sois incapazes de vez ou outra, mandá-las ao diabo e, assim, fazerdes o que deveras vos apetece.
Já não vos parece demasiadamente tedioso que tenhais transformado aquilo que poderia ser o prazeroso exercício dos vossos talentos, na obrigação de trabalhar? Não é bastante para vós que tenhais convertido a doce aventura da busca pelo conhecimento, na simples conquista de um diploma? Agora quereis também resumir vossas relações sexuais, um dos poucos prazeres espontâneos que ainda restam à vossa pobre raça, a mais uma de vossas obrigações?
Endeusastes vossos orgasmos a ponto de fazer com que a busca por eles assemelhe-se a uma corrida de obstáculos, a qual vence quem chega primeiro, e quem não chega, no lugar de ser honrado como aquele que correu ao vosso lado, é visto como um derrotado.
Multiplicastes vossas habilidades sexuais. Tendes à disposição, elevados manuais e cursos preparatórios ministrados por peritos no assunto, cujos slogans garantem: “orgasmos múltiplos ou o vosso dinheiro de volta”. Não me causaria espanto se, dia desses, deparasse-me com o anúncio de um curso superior destinado a formar profissionais especializados na arte de gozar. Que título vos parece adequado a esse profissional? Bacharel em gozação?
Não percebeis que tal obsessão vos adoece e faz com que gozeis ainda menos vossa breve vida? Não ocorre a vós que uma atividade destinada a proporcionar prazer e relaxamento só alcançará tal objetivo se praticada de maneira relaxada?
Lembrai-vos do escritor do Eclesiastes, que dizia que há tempo para todo o propósito debaixo do sol. Peço licença para fazer um pequeno acréscimo ao texto do capítulo seis, versículo cinco, onde está escrito: há tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar. Creio que Salomão, que após ter desfrutado os prazeres de mais de mil mulheres, concluiu, ao fim de sua vida, que tudo era vaidade, certamente me perdoará a heresia de dizer que também há tempo de gozar e tempo de afastar-se de gozar!