CONVERSA  DE  BOTEQUIM.


Botequim, esta instituição nacional, era, exatamente, o descrito e decantado pelo folclore da nossa cidade.

Uma única porta abrindo para a rua; porta de aço, substituta da velha de madeira maciça, pintada de verde, já na décima camada de tinta. A atual, foi de escolha imperativa, face ao assédio da infame turma dos "amigos do alheio".

O recinto, estreito, piso de cerâmica que algum dia teve uma cor. Mesas e cadeiras de ferro, dobráveis, com a propaganda da cervejaria patrocinadora. Um triste balcão, sobre o qual encarapitáva-se uma vitrina de vidro que já conhecera transparência melhor, expunha coloridos ovos cozidos, linguiças nadando em gordura, coxinhas de galinha que, da penosa, só tinham mesmo o nome, e os malfadados torresmos, responsáveis por diversas fraturas dentárias, além de incontáveis frouxidões intestinais.

Tudo democraticamente dividido com respeitáveis moscas-residentes.

Um arremedo de relógio, suspenso na parede, cujos ponteiros lutavam bravamente contra a prisão de teias de aranha, tentava marcar corretamente a hora.

Engradados de cerveja, empilhados a um canto, davam o toque final ao cenário.

Sentado a uma mesa, jornal posto ao lado, tomando a sua infindável "saideira", estava o freguês habitual, o mulato Liedson, sestroso, sambista de nascença e coração, boêmio, por compulsão; amante, por opção; flamenguista, por obrigação.

Eis que chega o amigo Maicsuel, envergando uma curtíssima camisa botafoguense, já com indisfarçáveis pontos de ruptura, bermudão chegando ao meio da canela, havaiana vermelha, carapinha oxigenada e ouriçada à moda Neimar, "pierce" decorando o nariz achatado e um brinquinho na orelha..

Deixo o resto com vocês, amigos leitores!

- E aí, mormão, pensando em que?

- Na vida, Maicsuel...na vida. Por falar nisso, essa camisa você ganhou quando tinha uns oito ano. Tu nun acha que já tá pequena dimais? Vou de dá de presente uma novinha, mas rubro-negra. Vai querê?

- Nunquinha, mano. E tem mais; essa aquí eu só tiro quando a estrela apagá di veis!

Pois é, Maic, como tava dizeno eu pensava na vida.

- Pô, cara, tua vida nun pudia sê melhó! Tá quereno mais o que?

- Tô quereno é muito mais, irmão! Tô a fim de ingressá nas letra; vou largá de fazê samba e partí pras escrita das elite - falá bonito!

- Liedson, para cum isso, sujeito, tu já tá si dando munto bem dando o recado nus ouvido das mulata. Pra que mais?

-Tô já é munto cheio desses papo, Maic; os meus horizonte tem que se ispandir, quero ir muito além da Traprobrama.

- Tra o que, cara?

- É, eu li isso aí num jornal, parece que foi um tal de Camões que indicou esse lugar, mas - mesmo sem saber onde fica - só pode sê um negoço bom! Então, Maic, antes de você chegá, tava eu aqui elocrubrando.

- Elô, o que, cara?

- ...cru-bran-do, quer dizê "pensano", "matutano", seu analfa.

- Deus me livre, mas num é qui o cumpadre Liedson endoidô de veis!

- Ô, Anselmo - grita Liedson em tom de fingida comiseração - desce aí outra bem gelada e um copo pro Maic que o dia vai sê depauperante.

- Depau, o que?

- Deixa pra lá, Maic, senta aí e toma a tua cerveja!

 

 

(Não deixe de ler o colega Paulo Rego Filho)

paulo rego
Enviado por paulo rego em 10/07/2012
Reeditado em 11/07/2012
Código do texto: T3770251