Wanderlust. 2. Primeiros.

A estrada é tão longa, cara... Ao olhar no mapa, parece pequena, a distância não chega a um milhar de quilômetros, mas pra mim parece que o ônibus vai engatinhando um centímetro de cada vez. E eu vou sentindo cada pedrinha e buraco na estrada bem no peito, que já parece prestes a explodir de tanta ansiedade e emoção. Tento repassar o plano todo, já combinado e treinado uma boa centena de vezes antes dessa viagem, mas os pensamentos iam ficando confusos, e eu rio ao pensar que tudo no final pode acabar sendo uma confusão sem tamanho. Que dia é hoje? Que mês? Pelamordedeus, que ano? Que confusão!

A única coisa que eu sabia é que era tempo demais. Havia sido tempo demais. Não passaria de hoje, hoje o copo não ia estar metade cheio nem vazio, estaria transbordando, eu não iria caber em mim de felicidade, felicidade pela qual eu havia esperado TANTO. TANTO, cara, tanto... Quanto tempo? Tempo demais, disso eu sabia. E a estrada continuava passando por mim, um centímetro de cada vez.

Pego o celular, e de cara, já me lembro o motivo de estar ali. O rosto dela... Haveria outros rostos no mundo? Se haviam, porque não chamavam tanta atenção quanto o dela? Seria aquela boca perfeita? O piercing discreto? Os dentes brancos, perfeitos? A cruz iluminada nos olhos? Aqueles óculos "gatinha" anos 60, esses nada discretos? Seria tudo isso, e tudo o mais? Isso, com certeza era tudo isso. E muito mais.

Quando consigo despregar os olhos dela, vou reler pela milésima vez, provavelmente, a última mensagem que havíamos trocado. Ela estava tão ansiosa, talvez tanto quanto eu, não mais, mas tanto quanto eu. Sabia que ela havia esperado tanto quanto eu por aquele dia, e eu havia esperado TANTO tempo... Quanto tempo? Muito tempo, isso era certo. Consigo sentir a excitação em cada letrinha na tela daquele celular, e me pego rindo de novo, imaginando o que devia estar se passando pela mente dela. Quantas imagens, situações, cenários... Estaria ela ensaiando o que iria dizer, como eu havia tentado (e desistido, porque meu coração com certeza ia se sair melhor que minha mente anuviada naquele momento)? Teria ela tempo o bastante de dizer alguma coisa, entre um beijo e um silêncio emocionado?

Desviei os olhos e coloquei o celular no bolso. O ônibus já estava andando devagar o bastante sem que eu ficasse antecipando tudo e aumentando minha ansiedade. Senti falta do meu violão, trancado na mala abaixo do meu assento. Tocá-lo, ainda que me fizesse lembrar dela, afastava um pouco a inquietação. Meio que sem querer, começo a cantarolar aqueles acordezinhos que já conhecia tão bem. Tantanatantan, taaan, tantantan, taaan... Quantas vezes já tinha tocado aquilo para ela? Com certeza conseguiria tocar Wish You Were Here de olhos vendados e com uma mão só, de tanto que já o havia feito.

Pergunto ao cobrador onde estamos, ao avistar uma cidade pela qual estávamos passando. Segundo ele, era uma cidade com um nome que não guardo bem na memória, a última pela qual passáriamos antes de chegar ao destino final da linha. Me pego pensando em toda a linha: todo o caminho que havia feito até ali. Desde um encontro casual num joguinho de relacionamentos, na Internet, até aquele momento, talvez a menos de meia hora de um final feliz e de um novo começo, mais feliz ainda.

Acordo sobressaltado. Como consegui cochilar com o coração dando pulos como estava ainda não sei, mas o fato é que a placa que havia à minha frente, que dizia "Rodoviária", quase o fez parar. Era ali que tudo acabava e começava, estava perto, a poucos minutos, podia quase sentir o cheiro daquela ansiedade que saía pelos meus poros. Comecei a olhar ao redor, pela própria janela do ônibus, esperando ter pelo menos um relance dela, da boca, do piercing, dos dentes e de todo o resto. Ainda nada vi, e o ônibus parecia não parar em canto nenhum ali.

Assim que o motorista freou, peguei as malas, o violão e disparei como um louco para a porta, pulei os degraus de uma vez e continuei correndo para o saguão da rodoviária. As pessoas olhavam com uma cara meio espantada aquele louco que desembestava em meio aos outros traunsentes, mas eles eram a minha menor preocupação. Só um par de olhos ali me importava, e uma cruz brilhava quando a luz incidia neles.

Foi aí que a avistei. Consegui sentir o coração parar por pelo menos uns cinco segundos, pra depois voltar a bater com toda força. Ela estava ali, olhando para mim, mais linda do que eu já tinha visto, imaginado ou sonhado. O sorriso que aquela boca ia formando era magnífico, e fiquei tão embevecido por ele que por um momento esqueci de correr até ela e beijá-la, apertá-la, e nunca mais soltá-la. Mas ela corrigiu esse erro. Correu até mim, e aquele abraço finalmente me inseriu a parte de mim que por tanto tempo já me faltava. Antes de pensar, já estava beijando-a, sem pudor, sem vergonha nenhuma, e sem um pingo de medo de ser feliz. E ali ficamos, abraçados, lábios com lábios, por tempos e tempos, nunca tempo demais.

Depois? Depois pode esperar, meu primeiro beijo eu estava aproveitando. O primeiro pedido de namoro, o primeiro passeio no parque, a primeira transa, isso tudo viria, mas depois. Agora eram aqueles lábios tudo o que importava, tudo.

TUDO.