como se alguma coisa valesse a pena
- Você diz como se alguma coisa valesse a pena.
- Alguma coisa deve valer. Talvez.
- É, talvez. Mas é difícil ver alguma coisa nesse mundo de merda. Vê algo ali no escuro? Eu não vejo nada. E tem essa puta filosofia de escola, isso de pensar demais e chegar em lugar nenhum. Eu tô cansada, sabe. Cansada de andar e andar, dar de cara pra lugar nenhum. Eu queria sair daqui, Daniel. Mesmo que seja por um segundo ou que ele nem exista, mas eu acredite tanto que ele passe a existir. Entende?
- Não, eu entendo. Só que não é entender, é perceber.
Olhos mel me devorando e eu tentando ser sensato numa noite de chuva, nessa insônia diária da Beatriz. Meu Deus, como eu queria ser aquela sua boca pra poder sentir todo o gosto fantástico das suas frases. Na cama ela era minha e fora daqui era sonho. Era sonho, era sonho. E eu estava cansado de ser sonho, de ser pé gelado pra fora do lençol.
- Qual é a diferença de entender e perceber? - o cabelo grudado no rosto embolou um pouco a fala, mas com o meu dedo indicador tirei delicadamente cada fio da sua pele macia.
- Entender é quando você passa horas e horas de cara pra uma lista gigante de exercícios de, sei lá, cálculo escrito em russo e você não faz a mínima idéia do que se trata e tenta achar um sentido. Perceber é quando você desiste de fazer o exercício, vai escutar uma música ou beber um copo d’água e te aparece a resposta.
Ela se distraiu de novo, ela era alguma espécie de estrada que você sempre toma e sempre cai no mesmo buraco. De novo, de novo.
- Eu tenho vontade de mastigar essa música, essa que passa no filme Keith.
- Aquela que você disse que tem uma parte diferente, uma parte que parece um avião decolando?
- Sim e eu queria poder pedir permissão pra voar junto.
Mas ela não sabia que já tinha voado tantas e tantas vezes…