Profissões
No meu tempo de garoto, ainda cursando o 3º ano primário, o meu pai começou a tentar me dar um futuro na vida. Através dele consegui algumas oportunidades para aprender ofícios: fui aprendiz de sapateiro, de alfaiate, até fiquei numa lavanderia, onde entregava roupas, por uma semana.
Mas eu, contra a vontade de meu pai, não ficava em lugar algum que ele me arrumava. Um dia ele me levou até o salão de barbeiro do Romeu Mantovanelli, que ficava no final da Rua Carlos de Campos, quase chegando à Rua Sales de Oliveira, na Vila Industrial, em Campinas. Ele pediu ao senhor Romeu, que era um bom oficial, que me ensinasse o ofício de barbeiro. Foi ali onde demorei mais tempo. Como eu estava para tirar o diploma do curso primário, eu aguentei e esperei, por que era um local limpo e sempre cheio de fregueses, e eu aprendia muito.
Mas como não tinha a menor vocação para o ofício, aguardei até ficar livre das obrigações do ensino primário, que foi o único que tive, e sem dar satisfação a ninguém, sai do aprendizado na barbearia. Fui procurar, eu mesmo, um emprego. E encontrei no Bar e Café do senhor José Augusto Coelho, na Rua 13 de Maio, esquina com a Saldanha Marinho.
Lá eu estava ganhando, e bem para os meus 12 anos. Lá trabalhei até os 15 anos de idade, sempre contente, pois eu era tratado como um filho pelo senhor Coelho e pela Dona Elsa, sua esposa.
Um dia me despedi deles e agradeci por toda a bondade e todo o amor que me dispensaram. E disse: “Vou levar saudades de vocês e dos fregueses, que sempre em trataram bem”. Ai fui trabalhar na Fabrica de Cola Campineira, em frente à minha casa, na Rua Carlos de Campos, já ganhando ordenado de maior, com 15 anos (era forte, tinha disposição e saúde para aguentar boas empreitadas de trabalho, daí ganhar como os adultos). Ali fiquei até os meus 21 anos.
Todos os empregos que tive foram um preparo para a minha verdadeira vocação: Entrei na Cia Mogiana de Estradas de Ferro e fui ser foguista, e bem mais tarde maquinista de locomotivas. Coisa que sonhara toda a minha vida.
Mas voltando às profissões, eu posso dizer que a pessoa tem de fazer o que gosta. Para ser barbeiro tem de ter as mãos muito leves e ter muito capricho, tem que ser talhado para aquele trabalho, coisa que eu não era. Hoje passados mais de 60 anos vejo que o meu irmão Laerte, dois anos mais novo do que eu, tem o seu salão de barbeiro, o Salão do Laerte. Ele é, sem falsa modéstia, um dos melhores barbeiros de Campinas.
No tempo em que meu pai queria que eu aprendesse o ofício de barbeiro existiam uns 12 salões de barbeiro na Vila Industrial, sendo o mais antigo o do Bepe Barbeiro. Todos esses salões tinham uns dois ou três rapazes aprendizes do ofício.
Mas voltando às locomotivas, eu era foguista em 1960 e fazia o trecho de Campinas a Ribeirão Preto quando um senhor que dava férias (substituindo-o) ao mestre linha, se apresentou na locomotiva e me disse: “Eu sou feitor de turma e vou até São Simão na locomotiva, assim posso ver melhor o leito da linha”. Eu notei que o homem estava muito triste e então lhe perguntei qual era o motivo. Então ele me disse:
“Levei a minha filha mais nova, que tem 11 anos, aos médicos de Ribeirão Preto e eles me afirmaram que ela tem hepatite. Comprei os remédios receitados mas vejo que não estão fazendo qualquer efeito. Estou muito preocupado com seu estado”.
Então eu lhe disse: “O senhor quer curar a sua filha? Leve-a até Campinas ao salão do Bepe Barbeiro. Leve uma telha nova, que nunca foi usada. Ele irá curar a sua filha”.
Percebi que o home criou alma nova e me disse: “Antes de sair de minha casa hoje, pedi a Deus que me desse uma luz para curar a minha filha. Pode ter certeza que você foi a luz que Deus me enviou. Vou pegar o N2 (o trem noturno) para Campinas e amanhã cedo vou procurar o senhor Bepe”.
Passado uma semana nos encontramos mais uma veze. Ele, muito emocionado, me disse: “Laércio, a minha filha já está curada. Aquele barbeiro é um santo. Ele fez uma oração pondo as mãos na cabeça de minha filha e pediu a ela que fosse ao banheiro e urinasse na telha. Ele ainda me disse: “Sua filha está curada. Ela será uma moça muito bonita e feliz”.
E por fim ele me disse: e quanto a você, Laércio, nada do que eu disser será o bastante. Um dia você saberá quem o colocou no meu caminho. Muito obrigado”.