UM OLHAR ALÉM DA VITRINE

Aos finais de semana, principalmente nos dias que incluem os feriados prolongados como o que se iniciou hoje, a vida das cidades grandes como São Paulo tem algo deveras repetitivo, embora um tanto "acinético" do ponto de vista das novidades: as idas aos shoppings da cidade para lazer, para compras , para alimentação, ou simplesmente para se visualizar as novidades das vitrines.

Para quem gosta do tal esporte, claro, o tal passeio hermético se trata dum "surf" aos olhos por onde aqui se denomina " a praia dos paulistanos".

E quantas pranchas novas com ondas para lá de antigas!

Recentemente a cidade e seu entorno inauguraram uma incrível quantidade de centros comercias muito luxuosos, mas tão ostensivos nas suas instalações que alguns de nós, meros mortais expectadores das vitrines, nos perguntamos como, a despeito da crise mundial que já pontua claramente por aqui, alguns lojistas ainda conseguem praticar preços exorbitantes, sempre nas mesmas redes de lojas de grifes espalhadas pelos shoppings da cidade.

Uma mesmice de estímulo ao consumo cuja dinâmica nos chama a atenção e que decerto é sustentada pelos poucos e mesmos consumidores de sempre.

Nota-se que a maioria das pessoas passeia , vai às praças de alimentação, toma um cafézinho, um sorvete, um cinema, coloca -se em contato com as tendências mais modernas dos quesitos da moda, porém o movimento das compras é nitidamente bem fraco.

Pudera!

Decerto que não é todo mundo que pode se valer duma facilidade para satisfazer seu sonho de consumo dum artigo de luxo exposto numa vitrine, a despeito da anunciada facilidade das "dez prestações" de...vinte e oito mil reais.

Foi este pensamento que me norteava a caminhada de hoje quando eu passeava por um shopping recém inaugurado aqui no coração da cidade.

Percebi que logo na entrada do estacionamento, naqueles totens em que registramos os automóveis, uma câmera bem de perto nos fotografava... a alma.

Alguns seguranças espalhados pelos recintos pareciam contar cada passo de quem circulava pelos corredores...

Claro, todo o aparato nos dava a nítida sensação do perigo que se corre num lugar daquele: uma cidade que extrapola os números da violência a ostentar o inacessível ao fruto do trabalho da maioria dos cidadãos, mesmo aos melhor remunerados.

De fato um lugar vitrine das diferenças sociais cada vez mais gritantes entre nós, o círculo vicioso de todas as tensões sociais.

"Alguma coisa, de fato, vai muito mal por aqui" concluí.

De súbito, entre a multidão que começava a aumentar ali no saguão, visualizei um menino elegantemente vestido, uns vinte anos talvez, não mais que isso, que encantado como eu admirava uma exposição de relógios finos de pulso.

Assim que me viu percebi que imediatamente voltou da sua viagem de sonhos.

Então, recuperou seu brilhante par de olhos perdido para além daquela vitrine tão distante dele para placidamente retomar o seu ofício de lustrar impecavelmente o chão de mármore carrara que decorava parte daquele seu piso momentâneo, dum chão tão irreal.

Decerto que seu ofício não fora aprendido em nenhuma universidade pela qual o seu tempo clama, mas notei que era exímio no que fazia.

Saí dali meio triste a imaginar quantas das nossas vitrines de sonhos são trapaceadas pelo tempo que corre a revelia de nós a nos levar por viagens sem volta...

Talvez estivesse ali a resposta para muitas das perguntas despertadas pelos nossos olhos meio cegos, ocultas respostas que apenas os nossos corações conseguem alcançá-las além das vitrines da vida.