DOR

Hoje minha conversa é com a dor…

Tem dias que vejo-lhe entrando, sorrateira. Acomoda-se como pode e como quer, sem nem ao menos importar-se comigo. Já habituei-me tanto com suas aparições que, quando assusto, você já está de pijamas e bebericando meu chá fumegante. Vai ver é por isso que sinto tanto frio nas madrugadas insones, pois não acho minhas roupas quentes nem meu bebedouro cálido. E na falta de alternativa melhor descubro que a única forma de abrandar o frio é abraçando-lhe.

Em outros tempos, vejo você diferente e ao mesmo tempo como velha conhecida. Não é aquela dor que dói por puro prazer de doer. Redundância? Talvez. Proposital, eu diria. Você é tímida e só aparece às vezes, quando eu mesma lhe trago à tona. Mas que culpa tenho se no porão das minhas lembranças sempre existem nuances que farão com que você acorde? E entre todas as recordações você é a única que se faz presente e tenta ser amiga. Mas não a quero como companheira permanente, volte ao porão e descanse. Eu preciso do seu descanso.

E de tantas outras formas você me aparece que mereceu esse breve relato de duas faces que possui. Agora recue, ao menos por ora. Seja covarde em meu lugar e retroceda um pouco. Seus passos se distanciando serão meu bálsamo por instantes, enquanto seu descanso se faz. Recomeço a respirar a sós, até que a solidão traga-lhe novamente à tona.