Encaminhamento

Encaminhamento

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Dias atrás, me deu na telha e resolvi fazer, por conta própria, duas ultrassonografias, sendo uma abdominal total, e, a outra, próstata via trans-retal. Essa segunda é aquele exame mais detalhado, onde o médico enfia um troço comprido no seu rabo, carinhosamente chamado de transdutor multifrequencial munido com uma tecnologia de primeiro mundo. Para essa técnica, é usada uma espécie de bastão comprido (modelo XARIO) cuja cabeça da coisa, com uma micro câmera no nariz, com doppler colorido, passa pelos rins, bexiga, baço, pancreas, fígado (não necessariamente nessa ordem), e a medida que passeia, relata o volume urinário pós-miccional, descrimina o peso e a medida da glândula onde fica o escroto e os ovos, dá uma parada básica na vesícula e acaba, por fim, saindo no buraco esquerdo do ouvido.

Procurei um desses centros de diagnóstico por imagem e como não tenho plano de saúde, disse à mocinha que gentilmente me atendeu na luxuosa recepção, que queria pagar, era particular, não tinha convenio com nada, nem plano de saúde, nem porra nenhuma. Ela foi ao computador, olhou a agenda do especialista e me informou que só teria vaga para dali a quarenta dias. Vai daqui, vai dali, acabei por convencê-la a uma modalidade nova nesses consultórios: o tal do “encaixe”.

Fui, portanto, encaixado para dez dias depois. Pelos exames eu pagaria a bagatela de R$ 560 reais. Puxei a carteira para pegar o dinheiro e ela disse que um dia antes a clinica ligaria para confirmar o atendimento, ou como queira o encaixamento.

Dia aprazado, lá estava eu dentro da unidade do CDI com todas as recomendações passadas previamente. Além do cuzinho limpo e cheiroso, não comer isso, não comer aquilo, não foder (nem a paciência dos outros), abster-me de exercícios físicos, como correr, nadar, trepar em árvores, pular sobre a cama, e o mais importante, não andar a cavalo. Pensei com meus botões: seria para não cansar o animal?

Na hora que o curologista me chamou para a sala dos exames, outro problema surgiu em cena. Precisava ter um encaminhamento, sem o que o doutor não realizaria os tais exames. Ponderei com o cidadão que estava pagando, a coisa era particular, ou seja, jabaculê em caixa, bufunfa viva para a clínica dele, etc, etc. Qual o quê! Não teve conversa. O filho de uma égua queria o encaminhamento de um clinico geral.

Injuriado, consegui convencer o cara a me conceder algumas horas daquele mesmo dia para dar tempo de procurar um diplomado em medicina para me fornecer o tal documento. Estive em vários consultórios. No mais modesto a consulta girava em torno de R$ 350 reais. Achei uma puta sacanagem pagar tanto dinheiro assim para tomar no cu. Me emputeci, me enchi de razão. Fui a vários hospitais e, graças a Deus, no derradeiro que visitei, consegui catar na sala da assistente social um jaleco branco e, portanto, disfarçado de funcionario, andei por todos os pavimentos, até que, já quase a desistir da empreitada, "afanei" um bloco de receituário para prescrever qualquer tipo de procedimento que desse na telha. A sorte, nessa hora sorria ao meu lado. Na maternidade, na sala dos médicos, passei os cinco dedos num carimbo com CRM, os cambaus. De roldão acabei trazendo a papeleta para a concessão de atestados.

Fora das dependências da unidade de saúde, preenchi, eu mesmo, com a minha letra, me encaminhando. Fiz uns garranchos que até o diabo ficaria com a pulga atrás da orelha. Ficou assim: "Requisito urgente ultrassonografia abdome total e próstata trans-retal". Fiz os malditos exames numa boa, encaminhados por uma simpática doutora que, fui ver depois, atendia pelo nome de Sulamita Chupa Com Vontade - ginecologista e obstetra. Ao retornar a clínica, percebi pela cara do sujeito que ele olhou meio desconfiado para aquele requerimento, mas nada disse. Com certeza pensou: "Esse desgraçado é tão burro que nem falsificar sabe. Procurou logo um médico de mulher".

***

Final do expediente, exames prontos, resultados com os respectivos laudos. Tudo em cima. Achei por bem, e, claro, por descarga de consciência, agradecer ao ilustre urologista, perdão, curologista, a gentileza de ter, além do “encaixe”, me encaixado, tanto na agenda dele, como, igualmente, no meu rabo, e, isso "a depois" do horário previsto e, enfim, realizado os procedimentos que eu buscava com tanta e tamanha ansiedade.

Foi então que resolvi abrir o jogo e contar a verdade. Chamei o elegante e a bela da recepção para um café lá mesmo dentro do estabelecimento. Mandei bala:

- Doutor o senhor queria um encaminhamento. E eu trouxe. O senhor realizou os exames. Gostaria, contudo, de lhe dizer que aquele papel da doutora Sulamita É FALSO. EU MESMO PRENCHI ANTES DE VIR PARA CÁ.

Percebi que ele pretendia dizer algo, à guisa da fúria incontida que capturei em seus olhos. A mocinha gostosa, idem. Ambos, porém, se contiveram e optaram por engolir a saliva e coraram. Uma máscara sem graça cobriu o focinho de ambos. Depressa, tratei de cair fora antes que o casal resolvesse botar a boca no trombone ou sabe-se lá, acionasse a policia.

O QUE EU QUERO DIZER, MEUS AMADOS, PARA TERMINAR MINHA LINHA DE PENSAMENTO, É QUE NESTE PAÍS DE LADRÕES, DE SAFADOS, DE PILANTRAS E PICARETAS, OS DOUTORES DE BRANCO QUEREM VER PAPEIS ASSINADOS E CARIMBADOS. A SOCIEDADE, COMO UM TODO, É IMPELIDA POR PAPEIS. O SISTEMA É IMPULSIONADO POR MENTIRAS. OS MÉDICOS, PARTICULARMENTE, SÃO MELIANTES CREDENCIADOS PELO CRM - CONSELHO REGIONAL DE MALANDROS, PARA ASSALTAR, PULSOS ARMADOS COM ESTETOSCÓPIO E APARELHO DE AUFERIR A PRESSÃO, OS NOSSOS BOLSOS, NA MAIOR CARA DE PAU. E O RESTO, KIKIKIKIKIKI... O RESTO QUE SE FODAAAAAA!...

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 59 anos é jornalista.

Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 06/07/2012
Reeditado em 26/05/2020
Código do texto: T3764154
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