Compromisso Nenhum

Você pode até não gostar de Fidel Castro. Dizer que o sistema político-econômico vigente em Cuba é antiquado, anacrônico e defasado em termos do que acontece em grande parte do mundo desenvolvido ou em desenvolvimento. Dizer que ele acumulou riquezas nesses anos todos de mandato, o que pode ter sido facilitado pela não alternância de poder na ilha, embora evidências nesse sentido talvez não sejam fáceis de ser encontradas. Dizer que ele é um líder ultrapassado, tal como o regime a que os cubanos têm que prestar obediência. Enfim, hoje pode-se dizer qualquer coisa. Muito embora na época em que ele, Guevara e Cienfuegos derrubaram o pérfido ditador Fulgêncio Batista até mesmo os americanos aplaudiram.

Contudo, não podemos esquecer do que Fidel disse em relação à troca de mandatários na principal nação do Ocidente: “seja republicano ou democrata, dá tudo no mesmo”. Truman, Kennedy, Reagan, Clinton, Bush e agora Obama – será que eles alteraram o quadro de preocupações hegemônicas do país que representam em relação a todos os outros do planeta? Será que podem? O sistema permite? A quantos presidentes vem resistindo a desativação de Guantánamo?

Entretanto, poderíamos nos valer do mesmo raciocínio de Fidel para traçar o perfil do político brasileiro. Isto é, em qualquer político que votarmos, o resultado será praticamente o mesmo. Lula, por exemplo, antes de ser eleito, posicionava-se a favor da extinção da CPMF e, na época da ditadura, era inimigo mortal de Paulo Maluf. Depois de eleito, lutou pela manutenção da CPMF e foi agora à casa do seu antigo inimigo pedir votos para o seu candidato à Prefeitura de São Paulo. Isso não poderia ser feito por qualquer candidato que considerássemos de “direita”? Tendo-se em conta que Lula, à época de sua primeira eleição, pudesse ser distinguido como um político de perfil esquerdista.

Com a possibilidade concreta de frustração na escolha de nossos governantes, na medida em que os resultados com quaisquer deles serão praticamente os mesmos, chegamos à conclusão de que é nenhum o comprometimento dos nossos políticos com o povo. O maior comprometimento será sempre com a garantia da realização pessoal, através de uma vida cômoda garantida por altos rendimentos e vantagens, por relativamente longos períodos, sem maiores demonstrações de competência ou até de probidade no exercício de seus cargos.

Mas sempre haverá exceções, como em qualquer categoria, meio produtivo ou segmento social. Mário Covas e Itamar Franco, por exemplo, são nomes que, em princípio, não se associam a quaisquer ilícitos ou atitudes deploráveis. E mesmo Getúlio Vargas, apesar do período ditatorial em que esteve no poder, período que assume uma importância bem menor diante do inegável legado da Era Vargas.

Há inúmeras situações que podem nos conduzir à certeza de que é nenhum o comprometimento dos políticos com as pessoas que os elegeram: os freqüentes casos de corrupção, mensalões, desvio de verbas públicas, relacionamentos duvidosos com empresas de quaisquer tipos, superfaturamento na compra de materiais e equipamentos, malversação ou utilização indevida de verba pública mesmo em épocas de catástrofes, como no caso recente de Teresópolis e Friburgo, etc. Uma série de situações, portanto, que acabam se configurando em ilícitos ou crimes que normalmente terminam não sendo apurados.

Contudo, há tipos de atuações que não podemos dizer que sejam declaradamente crimes contra a população. Mas que do mesmo modo denotam a falta de compromisso das autoridades, muitas vezes nomeadas por políticos, quando não são os próprios. Refiro-me, por exemplo, aos dispositivos eletrônicos utilizados para a aferição de velocidades indevidas ou outras irregularidades cometidas por veículos em nossas avenidas, estradas ou vias em áreas urbanas. A idéia que se passa ao contribuinte é a de que ele não irá cometer infrações na condução de seu veículo, ou então terá que meter a mão no bolso para pagar a multa correspondente. Há uma clara intenção de que as pessoas acreditem que, sendo punidas, elas vão deixar de trafegar em velocidades não permitidas, não vão trafegar pelos acostamentos, não vão cometer avanços de sinais, etc. Só que a realidade que se esconde por trás da proliferação de “pardais” eletrônicos em nossas vias é bem diferente. Os especialistas na autuação dos condutores de veículos devem saber muito bem que, em que pese a redução do número de infratores, uma considerável parte dos motoristas ainda vai continuar trafegando a altas velocidades, vai se utilizar dos acostamentos para se livrar dos irritantes engarrafamentos, e, eventualmente, não vai parar diante do sinal vermelho, pelo menos em vias consideradas perigosas e de madrugada. Mas isso não importa, na medida em que, cometida a infração, o cidadão é multado. E o que acaba contando mesmo é o aumento da arrecadação que decorre dessas autuações lavradas de forma mecânica.

Essa é também uma atitude de descompromisso com a população porque esse tipo de autuação pouco ensina ao cidadão. Evidencia-se a ausência de uma preocupação maior das autoridades com relação à educação para o trânsito. Através de cursos que pudessem ser ministrados logo nas séries mais elementares. O comprometimento nesse caso é com a multa que, de uma forma ou de outra, acabará revertendo para o aumento da arrecadação, gerando maiores receitas públicas que nem sempre têm a aplicação esperada. Quando não são utilizadas de forma indevida ou até criminosa.

A representatividade política dá-se, portanto, numa via de mão única, isto é, os benefícios trafegam muito mais na direção dos que foram eleitos do que na de quem os elegeu. E isso é uma decorrência natural das vantagens e prerrogativas atreladas aos cargos políticos, dentre elas a mais singular de todas, a de poderem interferir no aumento dos próprios salários. Essas vantagens, aliadas à obrigação que tem o contribuinte de votar, constituem-se no que reforça a falta de comprometimento entre aquele que foi eleito e quem o elegeu. É preciso notar que sempre vamos ter que votar em alguém. E que o voto nulo não impedirá que o político se eleja. Todo político não tem a certeza de que será bem votado, mas sabe que todos terão que votar. Então, um investimento maciço em propaganda, em patrocinadores que terão o seu dinheiro de volta, caso o político seja vitorioso, em promessas com toda a chance de não serem cumpridas, etc., tudo isso pode levar o candidato a ser bem sucedido. Porque existe a matéria prima disponível, cuja participação é obrigatória – o eleitor.

Esse quadro pode ser alterado com a adoção do voto facultativo. Pois a incerteza de ser eleito, flagrantemente maior nessa situação, faria com que o candidato se aprimorasse mais durante a campanha e mais ainda durante a gestão do seu mandato. Como garantia de que, para a sua reeleição, tivesse os votos daqueles que, mesmo desobrigados, decidissem votar em seu nome. Além disso, o voto facultativo praticamente eliminaria os oportunistas de plantão, pessoas com o nome e imagem na mídia (radialistas, jogadores, artistas, comediantes, etc.) e que se valem, muitos deles, dessa condição para serem eleitos.

Todos sabemos do significado de um mandato político em termos de vantagens e benefícios. Ou de como é atraente a carreira política. Essas vantagens deveriam ser drasticamente reduzidas para que o candidato se interessasse mais pelos beneficiamento da população e menos pelos benefícios à disposição dele. Em todo caso, ainda que tais prerrogativas continuem a existir, o voto facultativo, na medida em que torna maior a incerteza do candidato quanto à sua eleição, poderia ao menos significar a necessidade de um desempenho mais eficaz por parte do candidato, no atendimento às necessidades dos eleitores, para continuar a desfrutar de tudo de bom que o mandato político lhe oferece.

Rio, 03/07/2012

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 06/07/2012
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T3764118
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.