Xadrez, sem enxergar.
No dia 21 de abril de 2012, viajei com o Sampai, que é o campeão do interior do Ceará, à Fortaleza pra jogar o torneio rápido de xadrez em homenagem a um grande jogador do passado que teve o nome de Nilo. Saímos de Russas um pouco depois das onze da manhã, e o tempo estava bem claro, mas logo depois de Boqueirão do Cesário, começou a ficar nublado até a capital, onde chegamos quase às duas horas e chovia fino. Era um sábado e o local do evento era um salão do teatro José de Alencar, onde abrigaria mais de cento e vinte jogadores. Entre estes estavam as principais figuras da cidade e do interior, o Iung e outros campeões, o Laroca um dos mais velhos, a atual campeã cearense Jessica de Canindé e muitos outros desconhecidos por mim. As partidas eram de quinze minutos, a primeira rodada começou com um grande atraso e eu a perdi, perdi a segunda, ganhei a terceira e empatei a quarta e era hora de jogar a quinta, mas contra quem eu ia jogar? Imagine você, contra um jogador, rapaz ainda novo e de cabelos grandes e lisos, mas que era deficiente visual, isso mesmo, um cego por nome de Tibério. As peças que ele usava eram pequenas, as negras tinham uma pontinha em cima, como uma caqbeça de elfinete, para diferençar das brancas e elas se encaixavam por um pino no tabuleiro que é por sua vez furado. Ele jogou de brancas e saiu com o peão do rei, defendi-me com cavalo c6, e a partida foi indo, ele sempre tateando depois dos meus lances e ficando com as mãos sobre o tabuleiro e a cabeça meio baixa, depois de pensar e decidir, fazia o lance e chegou a avisar-me quando pôs o meu rei em xeque. A partida parecia equilibrada mas quase no fim ganhei um bispo dele enquanto ele entrou no meu território com uma torre e começou a devorar alguns peões. O rei dele estava na oitava e uma torre minha estava na sétima sendo apoiada por um cavalo, era um final onde o rei dele podia ser bombardeado com xeque e eu insisti nesse tipo de jogada e o tempo dele se exauriu. A árbitra, ex-campeã cearense Jacinta, o avisou da impossibilidade de jogar, ele prontamente estendeu sua mão para me cumprimentar e eu correspondi. Depois, uma tia do rapaz veio falar comigo sobre o que eu havia achado por ter jogado com ele, e eu disse que era a primeira vez que eu jogava com um deficiente visual e que ele jogou muito bem e a partida poderia ter tido um o final favorável a ele caso ele tivesse mais tempo. Aquela senhora ainda aproveitou para dizer-me que esse gosto e dedicação do seu sobrinho pelo xadrez, servia para mostrar que muita coisa aparentemente impossível para uns, para outros com maiores dificuldades isso não era visto assim. E realmente concordo com ela, pois é comum se ver pessoas deficientes, mas competentes nas mais variadas áreas de trabalho mundo afora. No caso do jogo de xadrez para cegos, é certo que eles usam o tato, mas já foi dito por estudiosos que a imagem da posição das peças no tabuleiro é formada no cérebro ou na mente do jogador tanto de deficientes ou não.
Viajamos de volta à nossa cidade às oito e meia num ônibus da empresa Guanabara e chegamos por aqui às onze da noite, e aí fica o registro de mais uma aventura inusitada vivida por mim, por praticar o fascinante jogo dos reis.