Da realidade colorida

Por vezes, pode-se pensar proposital que a população fumacense tenha dispensado a descendência russa e alemã e permanecido só com as raízes italianas, escandalosas e tão sublimes por natureza. Foi belo saber que a culinária continuaria; que o fogão à lenha continuaria; que o amor, a polenta, o despertador domingueiro de missa também permaneceria, como um galo que canta para quem tem fé.

Não é incomum que os pomares estejam cheios, que o chuchu esteja trepando, a vida brotando, que meu avô esteja cortando os pepinos da chácara, já, às dez, e que todas suas respostas fossem acompanhadas por non, nos deixando até de pés na Itália. É. Não pareceu nada estranho viver na Rua 20 – a única asfaltada – não ver a globalização nas áreas de só terra, mas não de terra só. Que mundo, hoje, daria uma vida para plantar filhos de uma sociedade rica, cheia de valores, que não se rende à sujeira nos pés, a qual não se acaba, porque fofoca?

E sabe o que fala, e sabe o que escreve, e sabe o que sabe, porque viveu, e viveu, porque meninas casadoiras criaram meninos; pois tudo o que é assunto bom caiu na boca daquela que faz nhoque, cujo marido alfaiata, cujos filhos correm, vão a lan houses, são coroinhas, pessoas de bem, com anéis na mão direita e ouvidos tais quais diários e bocas-rádio anunciantes das transgressões aos valores cristãos.

Uma cidade lendária, que abrange a tradição Cechinel, nome de rua, de primas, de tios, da dona Nena plantando o amor-perfeito que, há muito, constitui famílias e cria sabores, e cria o amor, o qual transporta o valor dos noventa e três anos de uma avó, amiga, conhecida, porta-voz, patrimônio citadino, assim como de todo bingo e de todo frio, na farmácia do seu Cornélio.

Frio? O cachecol crocheando o pescoço e acarinhando a alma. A alma que adota todas as pessoas de histórias completamente alinhavadas no enxoval da loja de aviamentos da Delci; a alma que cria um na família de outro, que conhece outro e que, assim, vai à busca do fom-fom do trem parador de olhos e guia de todas as olarias construtoras do futuro da cidade que o faz: Morro da Fumaça.

Fernanda com F
Enviado por Fernanda com F em 04/07/2012
Reeditado em 09/07/2012
Código do texto: T3760784
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