A COZINHA DE SININHO
Há uma cozinha entre os banheiros e a sala do meu local de trabalho. Hoje ela parece uma borboleta que saiu do casulo. Meses atrás, seria necessário um anúncio com a palavra “cozinha” afixado nas portas dela a fim de avisar em que ambiente estava quem passasse por ela. Atualmente as placas seriam supérfluas. Aliás, até os mais distraídos conseguem sentir que estão num ambiente que convida para um cafezinho em volta de uma mesa ou encostando-se ao granito de uma pia.
A mudança da “cozinha abóbora” para uma “cozinha carruagem” começou quando uma nova faxineira passou a cuidar daquele lugar. Pouco depois que ela chegou ocorreu a seguinte cena: Num gesto leve e rápido da moça, três bibelôs saem da bolsa dela e são postos no alto do armário de produtos de limpeza. O armário com cara de objeto de hospital ganhou um acolhedor toque de móvel da casa de vovó, exibindo os bibelôs sobre uma toalha de crochê azul. Depois disso, o móvel trocou a aparência apática e deu um tom humano ao canto que ocupa. Mas não parou por aí a metamorfose da cozinha.
Depois dos bibelôs vieram outras toalhinhas, tapetes pintados à mão, vasos com flores de pano e plástico, capas em crochê para o galão de água, potinhos sempre abastecidos com balas e pirulitos, e um quadro com fotos dos filhos da moça com a declaração “Amores da mamãe”. Tudo isso foi chegando sem o compromisso de combinar cores e tons, mas formando um ambiente que transcende o que parecia um enxerto para um lugar que aparenta sempre ter sido daquela forma. Se a fada Sininho do Peter Pan fosse real eu poderia afirmar que ela passa por lá quase todo dia.
Convive ao meu lado, naquela cozinha, a química que empresas como Google e Facebook buscam para dar ao ambiente de trabalho a sensação de extensão da casa. A promessa que isso aumenta a produtividade dos funcionários cativa a atenção do mundo corporativo. Mas como toda moda tem seus exageros, recentemente confundi fotos dos escritórios destas empresas com imagens de bazares do tipo tem tudo. Excessos à parte, coisa gostosa são estes espaços de trabalho com clima de lar.
Acredito que alguns respingos da criação relatada em Gênesis devem ter caído sobre a moça da faxina. Caiu de graça, para que de graça, quem passa pela cozinha assista um talento que acontece fora dos palcos e ateliers, e por enquanto, longe das milionárias Google e Facebook.