Reflexo No Espelho
- Você faz xixi na areia? - Perguntou a rapariga.
- O quê? - Indagou o rapaz.
- Você faz xixi na areia? - Insistiu a moçoila.
- Não... Por quê?
- Porque você é um gatinho.
Acredite se quiser. Eu presenciei esta cena. O que foi proporcionado com esta breve leitura não se compara a estar no lugar. A reação que tive foi a mesma que você: embaraço e gargalhada.
Não entendo o porquê de uma menina falar isso para um sujeito qualquer. Existe uma corrente de pensamento subconsciente nas mulheres que as fazem acreditar que impressiona vê-las ter comportamentos semelhantes aos dos homens. A tentativa de igualar os direitos entre ambos os sexos embriagaram o bom senso feminino.
Homem não gosta disso. Homem - que é homem - quer ter uma mulher ao seu lado. Não um biótipo homogêneo de características comportamentais: sexo feminino com atitudes masculinas.
O pior é a comparação: gatinho.
Qual homem gosta de gato?
Eu odeio gatos. É a espécie que demonstra maior falsidade no relacionamento com o humano. Já tive um gato quando garoto e nunca confiei nele. Agradável à primeira vista. Conseguia chamar atenção. Ganhava alguns afagos e tinha sempre suas refeições no horário certo. Nunca lhe faltou nada. Sua cama era uma caixa de papelão forrada com retalhos de um cobertor velho. Seu pelo era escovado semanalmente. Fazíamos, como irmãos, nossa parte de cuidar do bichano.
Mas, ele era um gato. E como qualquer outro não se acostumou com a rotina do lar. Não queria a mesma vidinha de sempre. Optou por escafeder-se com a gata da vizinha. Não fez diferença para mim. Minha irmã, pobrezinha, sofreu um bocado com o sumiço do desgraçado.
Sou muito mais um bom e velho vira-lata. Pode ser de raça. Indiferente. Sempre são os melhores.
Tive um American Terrier preto chamado Boris. Imponente, seguro e feroz como um bom cão deve ser. Companheiro, leal e compreensivo com um bom amigo tem que ser.
Aguentou grandes peripécias ao meu lado. Alegrou-me em dias difíceis como poucos fizeram. O tempo o levou. O tempo sempre leva os amigos de verdade.
Em uma noite qualquer caminhava em direção a casa quando enxerguei um cusquinho branco sentado no meio da rua. Altivo, nem parecia um vagabundo. Olhava-me severamente. Era um belo cachorro. Fiz alguns gestos e o chamei com aquela voz de retardado que fazemos ao nos dirigirmos a algum animal.
- Amiguinho! Vem cá, vem! Amigo! Vem! -
Não me respondeu. Quando dei as costas e completei alguns passos percebo aquele trote vindo em minha direção. Ao virar deparo-me com aquela coreografia canina de quem está para ser mimado.
Não resisti. Brinquei com ele.
Triste foi deixá-lo. Triste foi ter ganhado sua confiança para depois abandoná-lo. Como tantos outros, afligi o pobre animalzinho com mais uma decepção.
Enxerguei-me no espelho. Não foi um reflexo individual, mas de toda uma espécie. O homem. O masculino. Conquistado, apaixonado, usado e deixado.
Por isso o cachorro é o melhor amigo do homem. Somos parecidos.
Apesar de existirem muitas mulheres que possuem cães como animais de estimação, suas concepções são diferentes das nossas. Para elas os cachorros não são amigos, são namorados.
Em uma sociedade cada vez mais individualista onde um relacionamento não consegue oxigênio para sustentar-se, o receio de ferir-se emocionalmente tem gerado substituições. Como é difícil para uma mulher encontrar um homem que seja compreensível, companheiro, protetor e, principalmente, fiel, a saída é voltar-se para aquele que está mais próximo destas características: os cães.
Eles ensinam os homens como tratar as mulheres. A fidelidade de um cachorro é inquestionável e admirável. A compreensão e cumplicidade que eles demonstram são exemplos para nós.
Só um ponto triste. Uma verdade crucial. As mulheres no fundo, no fundo sempre preferem os gatos. São atraentes e charmosos. Satisfazem e suprem qualquer carência. Não fazem tanta bagunça e não exigem um compromisso sério.
Os cachorros, pelo relacionamento rotineiro, acabam sozinhos e traídos na casinha. Olhar um cão é me ver no espelho.