"OVO GALADO": UM RITUAL DE MINHA MÃE!

Uma vela acesa, um ovo e um olhar cuidadoso colocando o ovo em direção à vela, eram as coisas que minha mãe necessitava para identificar e separar o ovo “galado” que gerariam um pinto e eram colocados de volta em baixo da galinha choca, dos não “galados” que, fritos matavam a fome da meninada, na comunidade de Varre-Vento, no município amazonense de Itacoatiara.

Não sei como minha mãe identificava e os separava, olhando-os fixamente em direção a uma vela, cobrindo um pouco com a mão por cima do ovo, mas acredito que fosse pela prática de tantos anos com a lida no campo. Os “galados”, significando que geraram um pinto, ela os devolvia às galinhas que os estivessem chocando. Tinha que ser um processo rápido entre o tirar e os colocar de volta no ninho.

Se não fizesse esse reconhecimento e os separasse, “nem todos os ovos produzirão pintos”, explicava para quem desejasse porque todo aquele ritual era necessário. E não é que sempre acertava? Achava interessante o ritual de minha mãe, interessante e curioso também para mim, um garoto sonhador, apenas.

Bastava um olhar contra a vela, minha mãe sabia se os ovos estavam galados ou não. “Eles ficam mais escuros, olhando-os contra à luz”, dizia. Com alguma coisa que tivesse à mão – lápis, caneta etc – marcava-os a todos e os devolvia às galinhas de onde havia tirado para continuarem chocando os mesmos ovos. Galinha chocando fica braba, atacava, ficava valente para defender seus ninhos. Mas depois de identificados e marcados, continuava no mesmo ninho geralmente feito com palhas para melhor os esquentarem com seu corpo.

Quando uma galinha sumia por alguns dias, mamãe desconfiava: “deve ter feito algum ninho e está chocando os ovos dela ou foi comida por uma cobra”. Com medo que elas tivessem sido picadas por cobras, muito comum no interior, minha mãe as procurava e identificava onde estavam os ninhos ou a galinha morta, picada por cobra. Tinha medo que algum bicho tivesse se alimentado com os ovos, inclusive cobras.

Depois, com cuidado, retirava-os um a um todos os ovos que estavam sendo chocados, os olhava contra a luz da vela e depois os devolvia à galinha para que ela continuasse chocando-os. Dizia, satisfeita ao fim de seu trabalho que não entendia bem, mas admirava: “agora tenho certeza que nascerão pintos de todos os ovos chocados porque todos estão galados”. Ou seja, estavam prontos para eclodir e sair os pintos de dentro, ainda cambaleantes e cansados por terem que quebrar a casca do povo, sair de dentro, cruzar uma membrana e ganhar vida.

Quando os pintinhos nasciam, a galinha na frente e os filhinhos atrás, todos amarelinhos ainda, os ensinava a sobreviver, ciscando o chão para descobrir e mostrar aos filhos, pela prática, onde podiam ser encontrados os alimentos. De vez em quando, era colocado xerém para os mais novos, milho menos quebrado para os maiores e milho inteiro para as aves adultas. A galinha ciscava comia os insetos e os filhos – pintinhos amarelinhos, faziam o mesmo!

Era lindo ver essas coisas que desapareceram com o progresso. Vai chegar ao dia em que a geração jovem só conhecerá galinha visitando granja para vê-las todas brancas, comendo ração e pondo ovos aos montes, todos brancos; ou visitando alguma fazenda em municípios aonde essa tradição ainda é mantida com criação de galinhas caipira de terreiro que se alimentando com tudo o que encontram e põem ovos amarelos, ainda.

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 03/07/2012
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