Nos Meus Tempos de Goleiro
Lembro de um dia que flagrei minha irmã chorando no quarto. Preocupado, fui ver o que era. Uma briga com o namorado? Problemas no serviço? Alguma dor a afligia? Naquele breve momento entre observar a porta entreaberta e adentrar no recinto inúmeras situações passaram pela minha cabeça. Não precisei perguntar nada. Ao olhar para a televisão descobri o motivo. Ela assistia o “clássico” Dirty Dancing, com o falecido Patrick Swayze. Enquanto Baby, a protagonista, sorria com seu sucesso dançante, minha irmã debulhava-se em lágrimas. Não pela trama ou interpretações, menos ainda pela possível mensagem que o filme trazia. Mas, sim, pela nostalgia.
Todos, um dia, sofrem com isso. Por mais bem sucedido e realizado que seja a saudade de quando as coisas eram simples é inevitável. É até saudável. Uma forma de aliviar-se da pressão e cobrança da vida adulta. No caso dela, a lembrança de seus sete anos de idade, a idealização do príncipe bailarino encantado e do romance perfeito a fez chorar. Não de tristeza ou frustração por não ter vivido aquilo. Mas, sim, de felicidade pelo prazer que a recordação causara. Voltar a pensar como em 1987 reavivou muitas coisas. Ao menos naquele dia.
Hoje quem sofre disso sou eu.
Junto com alguns colegas tão fominhas quanto eu, decidimos participar do torneio de futebol organizado pela empresa. Onze, quase sedentários, esportista de final de semana dispostos a lutar bravamente pelo título. Não importava o que acontecesse, faríamos tudo para sagrar-nos campeões. De repente, como um daqueles temporais de verão, uma força adormecida é desperta e toma conta de mim. Sinto-me com dez anos de idade novamente, onde tudo que eu queria era ser goleiro do Grêmio. Tudo. O desejo de estar em campo, a agressiva competitividade pré-adolescente, a vaidade futebolística e o que mais se possa imaginar entorpeceu-me de emoção.
O primeiro passo era decidir as questões administrativas que envolvem o futebol. Como verdadeiros dirigentes asseguramos que todo o protocolo burocrático fosse realizado com maestria. Inscrição, organização e treinamentos foram viabilizados com extrema agilidade. Quando menino fundei um clube junto com alguns vizinhos. Nunca disputamos uma partida, mas foi o necessário para que viagens a minha imaginação fossem feitas quase diariamente. Confabulava todo o processo. De conseguir fictícios patrocinadores a acompanhar a tabela de jogos e classificação. O campeonato estadual até 12 anos do fantástico mundo de Eduardo.
Naquela época eu queria porque queria um uniforme personalizado. Algo que eu desenhasse, escolhesse as cores e tivesse meu autógrafo no peito. Já que não havia esta possibilidade, contentava-me com as camisas do Danrlei. Não eram poucas as que eu tinha. Uma vez, com meu pai de arrasto, percorri toda Porto Alegre atrás de um modelo específico porque a loja do Olímpico estava fechada. Em vão. Alguns dias depois que o chororô havia passado a ganhei de aniversário. O prazer de estar uniformizado era quase maior que fazer uma plástica defesa. Isso tornou os dias que antecederam o torneio uma forte recordação. Procurei incessantemente um par de meias douradas para combinar com minha camisa preta com detalhes em dourado. Não consegui. Contentei-me com simples pretas mesmo.
O fatídico dia havia chegado. Nos encontramos no centro da cidade e fomos todos juntos até a zona sul onde seria realizada a competição. O clima era semelhante aos torneios de escola. Uma pequena multidão de fardados nas mais variadas cores aglomerava-se acompanhados das esposas e filhos. Quando entramos em campo e o coração acelerou lembrei as disputadas partidas do colégio. Incorporei o boleiro adormecido em alguma parte dentro de mim. Imponente como Danrlei, escolhi a goleira que ficava de costas para o sol e de lá não saí. Vaidoso como Saja, fazia poses admirando o conjunto que vestia enquanto aguardava a partida iniciar. Ágil como Marcelo Grohe, fiz boas intervenções. Milagroso como Victor, até defendi um pênalti.
Estava suado, ofegante e irritado, mas extremamente feliz. Não pelas defesas, ou pelos olhares, menos ainda com o resultado. Mas sim pela nostalgia. Não era uma simples partida de futebol, era uma visita as boas lembranças do passado. O sentir-me, ao menos por mais uma vez, como um simples menino que passava o dia correndo atrás de uma bola tornou o frenesi nostálgico fabuloso.
Foi tudo como nos meus tempos de goleiro. Belas defesas, uma indiscutível liderança que me rendeu a faixa de capitão, as discussões com o árbitro, o cartão amarelo básico, etc. O resultado também. Uma derrota. Dois a zero com maior posse de bola. Injusto como sempre. Isso poderia ter ficado fora da lembrança.