A difícil vida fácil

   “A vida está difícil pra todo mundo!”, é o que tenho ouvido nos últimos tempos. Mas será?!
   Lembro-me bem de que, aos seis anos de idade, ganhei de presente um ferrinho a carvão para passar as roupinhas de minas bonecas. O ferrinho era igualzinho ao que a empregada lá de casa usava para passar lençóis enormes, branquinhos, alvejados com pedrinhas de anil, que ficavam horas quarando ao sol. Também me lembro que o chão era um brilho só, encerado com cera pastosa e lustrado com escovão. Ainda não tínhamos enceradeira e quando, finalmente, papai comprou uma, era um negócio pesadíssimo, que fazia um barulho terrível.
   Não me lembro exatamente quando foi a primeira vez que tomei um banho de chuveiro quentinho em minha vida. Esse “luxo” era para poucos. O chuveiro até que existia, mas era de água fria. Em tempos de calor eu me deliciava com sua água refrescante, mas, durante o resto do ano o banho era mesmo de caneca, com água aquecida no fogão e temperada com água fria para ficar morninha.
   Quando era adolescente tinha dois grandes sonhos: ter uma calça Lee e uma vitrola portátil. A calça Lee original custava muito caro e somente pessoas de maior poder aquisitivo podiam comprar. Quanto à vitrola, mesmo não sendo tão cara, papai dizia que era bobagem, afinal, tínhamos “um toca-discos muito bom”. Imaginem, o toca-discos era conjugado com rádio e televisão, embutido em um móvel enorme, um negócio meio jurássico em que ele (papai) adorava ouvir Vicente Celestino, Orlando Silva, Ataulfo Alves, Althemar Dutra, Dalva de Oliveira e outros ídolos de sua geração. Mas eu queria ouvir The Beatles, o pessoal da Jovem Guarda, a Rita Pavonni, o Elvis Presley, enfim, os ídolos de minha geração. Não, ele não permitia. Seria uma heresia tocar esses “sons malucos” em seu sagrado equipamento. Sei é que minha sonhada calça Lee e meu aparelho de som portátil só chegaram em 1976, quando consegui meu primeiro emprego (e a primeira dívida também).
   Nossa primeira TV em cores chegou em 1974, na época da Copa do Mundo. O Brasil foi eliminado, mas pelo menos tivemos uma tristeza colorida.
   Não consigo entender por que as pessoas reclamam tanto, se desesperam tanto, se deprimem tanto. Há algumas décadas, a grande maioria da população não tinha acesso a bens de consumo como tem hoje. Existe uma infinidade de produtos facilitadores da vida disponíveis no mercado e com planos de pagamentos para todos os orçamentos. São geladeiras, freezers, televisores, telefones (com fio e sem fio), lavadoras de roupa e de louça, aspiradores, secadores de roupas e de cabelos, micro systems, micro-ondas, forno elétrico, batedeiras, liquidificadores, panificadoras, cafeteiras, fritadeiras, churrasqueiras elétricas, sanduicheiras, computadores, ar condicionado, câmeras digitais, DVDs, IPODS, Notebooks, Tablet, Blu-Ray, Home Theater, Fax, Impressoras, GPS e mais uma lista enorme, que eu ficaria aqui por horas relacionando.
   Vejam na área das comunicações: quanta evolução! Antigamente, para conseguir entrar em contato com pessoas de outros lugares era demorado e difícil: ou tínhamos que solicitar os serviços de uma telefonista ou tínhamos que nos comunicar por meio de cartas (essas, às vezes, demoravam semanas para chegar ao destino). O milagre da INTERNET nos põe 24 horas por dia em contato com o mundo inteiro, não só com as pessoas que amamos.
   Um aspecto também interessante dessa vida moderna “tão difícil” é o setor de alimentos. Você já experimentou contar a variedade de produtos que existem nas prateleiras de um supermercado? Eu também não, mas sei que é muita. São tantos embutidos, enlatados, ensacados, embandejados, encaixados, potes de vidro, potes de plástico, de todos os preços, de todas as marcas, diet, light, zero, etc. Mas nos supermercados você também pode comprar a comida prontinha e fresquinha (quentinhas, bolos, salgados, pães, frango assado) ou congelada (chega em casa, põe no micro-ondas e pronto).
   Ah, quer saber? Esse povo reclama de barriga cheia!
   Posso até compreender que nas grandes cidades há muitas situações que realmente deixam as pessoas estressadas: trânsito, violência, poluição, meios de transporte lotados, enfim, não é mesmo fácil. Mas reclamar não resolve. Se existe o lado ruim, também há o lado bom, e é nisso que as pessoas deveriam pensar e aproveitar. Se está estressado por que não vai ao cinema, ao teatro, assistir a um bom show, caminhar na praia ou nos parques? Por que não vai ler um bom livro ou assistir a um bom filme em DVD? Por que não vai a uma igreja para orar (ou não vai, mas ore do mesmo jeito). Se preferir pode juntar uns amigos para o almoço ou para o jantar. Também pode praticar um esporte, há tantas modalidades. Os finais de semana são feitos para isso, para desestressar. Mas tem gente que passa o domingo mal-humorado, xingando a segunda-feira, porque vai ter que trabalhar.
   Às vezes as pessoas complicam o que é simples, inventam problemas onde eles não existem, irritam-se por qualquer bobagem, perdem a paciência por qualquer motivo, nunca estão satisfeitas com nada, reclamam de tudo e de todos e, no final, só podem mesmo atrair doenças como a depressão, as enxaquecas, as neuroses e tantos outros males.
  Nunca os consultórios dos psicólogos, psiquiatras, analistas, terapeutas e neurologistas estiveram tão cheios. Nunca se venderam tantos medicamentos com tarja preta como atualmente. O tal do Rivotril (e similares) é consumido como o feijão com arroz, passou a ser item de primeira necessidade. Não digo que não existam casos que precisem realmente de tratamento dessa ordem. Porém, acredito que muitos deles poderiam ser solucionados apenas com mudanças de comportamento e de atitudes. Muitas vezes, as pessoas só precisam rever sua postura diante da vida e precisam ter a coragem de abandonar hábitos que só fazem com que elas sejam amargas, intolerantes, tristes e solitárias, o que fatalmente leva a doenças.
   Gosto de um trechinho do livro “Mulheres de Aço e de Flores” do Padre Fábio de Melo: “Sou do tempo em que tristeza era curada com um pedaço de goiabada com queijo, mas hoje não. Qualquer tristezazinha já tem que ser medicada com comprimidos que entorpecem a alma.”. Essa frase foi dita por uma das personagens do livro e acho que se encaixa perfeitamente no contexto de minha abordagem.
   É paradoxal, é contraditório, mas hoje, o mesmo mundo tecnológico que promove a facilidade da vida das pessoas, tem também, e intensamente, promovido a fragilidade, o distanciamento, a insatisfação, o desequilíbrio, a intolerância, o egoísmo, as angústias e toda uma gama de problemas característicos dessa sociedade moderna.
   No tempo em que a vida era mais difícil as pessoas pareciam ser mais felizes.
   Hoje, que a vida está mais fácil, as pessoas parecem estar cada vez mais insatisfeitas e infelizes.
   Vai entender!




 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 02/07/2012
Reeditado em 18/09/2012
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