Um país sem heróis
"Anita Garibaldi?", ele se surpreende, esvaziando o copo de cerveja e fazendo sinal para o garçom trazer outra. E virou-se para mim com um sorriso sarcástico, enquanto dizia: "Aninha do porto, né. Ela é sua heroína histórica? Mas você sabe o que ela era, não sabe?"
Eu sabia. Olhei para meu copo, brincando distraidamente com um guardanapo enquanto me perguntava por que - Por quê, meu deus - aquele amigo, graduado em História pela Universidade Federal, professor dedicado de escola pública, que eu tenho em tão alta estima, se esforçava tanto para matar minha heroína. Era, sem dúvida, um cara inteligente, bem informado, e crítico do sistema - "Hay gobieno? Soy contra!", ele gostava de dizer depois do terceiro ou quarto copo. E como são ricas nossas conversas de boteco...
No entanto, ele tem esse mal hábito: mania de assassinar os heróis nacionais. Não se pode ter tudo, não é mesmo? Adoro nossas conversas, falar mal dos políticos corruptos, refletir sobre a sociedade, mas tenho que confessar que me irrita quando ele começa, em tom sarcástico, a dizer que "corre a boca miúda" que Zumbi dos Palmares era gay, ou que Tiradentes era na verdade um vendido, ou mesmo das irresponsabilidades amorosas de Pedro II... e daí?, eu me pergunto. Nossos personagens históricos são tão bons quanto o de qualquer país, incluindo os Estados Unidos. Então por que não citar um podre de George Washington?
Enquanto eu não prestava atenção no que ele dizia sobre Anita Garibaldi ou a heroína capixaba Maria Ortiz, concluía que esse é, infelizmente, um hábito nacional. No que a vida pessoal de Zumbi ou de Maria Ortiz diminuem o seu feito, seu ato de coragem e heroísmo em tempos onde eram essas as virtudes mais necessárias? Por que não nos inspiramos nesses personagens para amar nosso país e lutar por ele, nos rebelar contra a tirania da corrupção (sim, somos "colônia" de corrupto), ao invés de ficar só reclamando e desqualificando aqueles que se levantaram para tomar alguma atitude?
Também precisamos de heróis, não que eles venham nos salvar e resolver todos os nossos problemas, mas eles podem nos inspirar. Eram brasileiros. E não desistiram.
"Você não está me ouvindo...", ele disse e sorriu. Eu sorri de volta e pedi a saideira. E Anita Garibaldi ainda é minha heroína.