Um bonde chamado Desejo ou uma Rua chamada Pecado? 

                                               Ygor da Silva Coelho


À primeira vista, parece que vou falar do famoso filme. Tem suas relações, mas não é bem isto. Vou falar de uma passagem do São João na minha cidade do interior. Quanta mudança!

Era véspera de festa junina, não resisti à curiosidade e fui ver de perto um trio elétrico. Diga-se de passagem, desejo que não consegui realizar, diante da multidão que já tomava conta da minha Rua Leonel Ribas.

Mal abri a porta já dei de cara com uma garota fazendo xixi no passeio do vizinho, bem no pneu de um Celta, protegida pelo “namorado”, que empunhava desafiadoramente um litrão daquela cerveja que desce redondo. Forte, bombado como se diz hoje, vestindo a camiseta padronizada do forró, quem ia dizer alguma coisa? Ele segurava o litrão, tal qual Marlon Brando empunhava uma Whinchester. Fiz que não vi a cena e continuei minha caminhada até o trio. A rua congestionada com ônibus despejando gente, carros que buzinavam na tentativa de ultrapassar, todos querendo ver o trio. Mais uma vez comprovei o quanto certo estava Caetano Veloso:
“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu...”

Nas portas das casas uns poucos vizinhos a olhar o movimento: o dentista Hermes, Terezinha, Jacy Boaventura... “Boa noite, boa noite”, fui seguindo. Da primeira esquina já não consegui passar. A multidão de jovens, todos com as camisetas padronizadas, a la abadá, tomava conta de toda rua, à frente, no fundo e ao lado do trio. A festa parecia ter começado bem mais cedo, pois 5, 6, não sei quantos faziam xixi na parede da antiga fábrica de charutos Suerdieck, sem se importar com quem ia ou vinha.

Lembrei do meu tempo atrás do trio elétrico Fratelli Vita. Josué Francisco, passista de frevo de primeira no Recife pode até não acreditar, mas atrás do trio Fratelli Vita, pode acreditar, aprendi muitos passos. A gente ia para o trio para ferver, dançar. Vi que hoje é diferente. A gurizada, pelo menos no São João, apenas acompanha, todos uniformizados, empunhando seus latões. Caminham, bebem, certamente paqueram. São outros tempos. Não consegui nem ver o trio de tanta gente. Ouvia, claro. Aliás uma música que nada tinha a ver, pois estamos no interior: “Que bom você chegou / benvindo a Salvador / coração do Brasil / We are carnaval / We are folia... Até aí eu agüentei, mas logo depois o trio atacou com outra, um pagode que definitivamente não gosto: “E vai descendo / e vai descendo / E vai subindo / vai subindo vai...” .Superou minha paciência.

Fui para casa pensando nos 100 anos de Luiz Gonzaga, teoricamente homenageado em todo Nordeste. Fui pensando como a gente fervia ao som das Vassourinhas, de Moraes Moreira: “ Varre, varre, varre vassourinhas / Varreu um dia as ruas da Bahia...

Dito e certo por Moraes Moreira. Parece que as vassourinhas varreram mesmo os velhos hábitos, os velhos costumes, algumas tradições. O trio é um desejo. A rua é um pecado? Qual nada! Eu é que fiquei velho!
Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 02/07/2012
Reeditado em 02/07/2012
Código do texto: T3756530
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