Café #1

Tomou seu café no Cais. Pensava que aquele café era o melhor da cidade. E era. Tinha tanta coisa na cabeça. Mal se concentrava no cardápio para o seu próximo pedido.

Foi-se um café e outro e uma xícara a mais para despertar daquela vespertilidade inoportuna. O dia cinza agora já não se definia por entre os alaranjados das luminárias e aquele roxo que o sol deixa quando agoniza no horizonte. A chuva insistia na sua estadia naquele café. Podia esperar. Tinha tempo para o que realmente importava: a sua angústia. Sentia isso. De tudo que tinha que cumprir o que mais lhe tomava era isso. Sempre pensava. Sempre.

Refletia o quanto era possível. Era o tipo de ímpeto que não se apaziguava, contudo. E em meio a reflexões, ponderações e considerações surgia uma vontade de estar perto. Imaginava que do outro lado da cidade alguém sentia a sua falta. Nada sabia. O silêncio mesmo era a razão de sua angústia, percebeu.

Tinha vontade de escrever-lhe uma carta tal como fazia antigamente.

Ah! antigamente... O antigamente merece uns parágrafos à parte.

Teve várias paixões como muitos humanos. Apaixonava-se loucamente. Era uma alma romântica como poucas em sua sinceridade. Versava, desenhava, falava. Era entregue às suas paixões idealizadas. E não correspondidas.

Quando sentia-se só, em melancolia, escrevia precisos versos piegas e adocicadas pela melosidade que lhe recomendavam as canções e os filmes que assistira. E era de alma sincera, reitero.

Esperava que um dia fosse dar certo tudo aquilo de amor e outras coisas. Foi vivendo, no entanto, e sufocando sua alma romântica. Foi se igualando e se conformando.

Ali estava, pensando nesse antigamente quando lhe ocorreu de cumprir com seus afazeres.

Ignorou a chuva que caía, a noite que lhe convidava à vadiagem e angústia. Angústia que deve ter morrido afogada não se sabe se nas águas do Capibaribe ou se ali mesmo naquela última xícara de café, que já esfriava. Tomou o último gole daquele amargor e se foi.