Aos 40
Quando me diziam que ao chegar aos quarenta anos, eu faria um retrospecto da minha vida e teria muitos motivos para entrar em depressão, eu ria pra caramba. Achava isso, coisa de gente estressada e muzumbuda; gente sem gana para lutar por seus objetivos e brigar com todas as forças.
Entretanto, os vinte passaram junto com os sonhos ingênuos. Os trinta entraram logo em seguida, arrastando tudo que ainda estava preso a eles. Esbarrei nos quá-quá! A análise foi inevitável...
Quatro décadas. As primeiras dez inocentes e doces. A segunda dezena foi desbravadora de novas terras; a descoberta do sexo; o corpo viril em desenvolvimento; o álcool; as noitadas; o primeiro beijo; o primeiro trabalho; um sonho que certamente se tornaria realidade. O sucesso não tardaria.
A terceira década começa ainda recheada de esperanças e sonhos, porém um pouco mais contida. As cantadas, atiradas para todos os lados, cederam lugar ao prazer da observação e da conquista; os porres com meia dúzia de cervejas ficaram para trás; o corpo estava no auge da beleza e força; o sexo ganhou mais experiência e prazer; o canudo da faculdade certamente abrirá novas oportunidades rumo ao sucesso. Será?
Então chegaram os quá-quá! E então vieram as perguntas automáticas: O que fiz da minha vida? Que zorra eu construi até agora? A resposta para ambas é: Nada! A sonhada casa própria transformou-se num financiamento de 30 anos que ainda faltam 29 para quitar, talvez eu morra antes; o carro novo foi trocado por um Uno 92; o diploma da faculdade de administração já ficou amarelado e de nada serviu, restou um trabalho de estoquista num depósito de matérias de construção; o corpo começa a definhar – quase todo mês aparece uma ité: artrite, amidalite, gastrite, esofagite e por ai vai – e sem plano de saúde.
Ah! Os sonhos? Secaram como açude em estiagem sem fim. Pergunto, com olhar cabisbaixo, o que aconteceu comigo? Eu era tão cheio de alegria e esperança. O que aconteceu para que eu me transformasse nesta folha seca? Muitas vezes combati a ventania com meus pés fincados no chão, tal qual raízes de mangueiras. Profundas! Confiantes!
Até os tons claros e viçosos que iluminavam os meus dias passaram a ter o aspecto de Londres. Londres que conheço apenas do cartão postal enviado pela minha ex-mulher.
As mulheres não suportaram o inexorável avançar do tempo. A esposa como já disse caiu fora. Disse que ao meu lado não tinha perspectivas. Ela não era tipo modelo mas era inteligente. Eu um dia fui inteligente também. Consolo-me com filmes pornô e, uma vez ou outra, uma alma dão angustiada como a minha em busca de prazer. Prazer! Como é difícil senti-lo agora. Tudo em minha volta parece ter ganhado um gosto amargo e sem viço.
As pessoas estavam certas: é duro chegar quarenta e ver que nada do que você planejou teve sucesso. Ao chegar nos “enta”, o caminho torna-se cheio de obstáculos. Esperanças e sonhos. Sonhos e esperanças. A realidade é cruel. Os “enta” só terminam nos cem aninhos. Isso para pouquíssimos. Talvez a maior parte da minha vida já tenha passado e o que me restou? Tentar sobreviver com uma aposentadoria ridícula, cheio de problemas de saúde, aguardando a morte na fila do SUS. Que projeção para o futuro! Somente o senso de sobrevivência e a condenação divina me fazem não dar um fim antes deste martírio. Ou será que aquele último fio de esperança ainda persiste na tentativa de alguma vitória? Sonhos e esperanças. Esperanças e sonhos.
Vejo o brilho opaco nos olhos e os sulcos, cada vez mais profundos, aflorando na face. Três segundos imóveis. Uma lágrima solitária escorre até chegar no creme de barbear. A voz solta um riso insosso.
- Quá-quá-quá-quá!