DE IDEAL EM IDEAL. A REDE(S)COBERTA DO BRASIL.

De ideal em ideal. A Rede(s)coberta do Brasil

Jorge Linhaça

Acho curioso quando alguma pessoa acusa a outra de idealista, como se isso fosse uma ofensa imperdoável. Na verdade o idealismo é a busca de algo ideal e portanto o mais perfeito possível segundo aquele ponto de vista.

A história de nossa nação foi sendo composta de idealistas, de defensores de ideias que deram ou não certo, de ideias e ideais que ainda talvez não tenham sido de todo atingidos. Tudo depende do ponto de vista.

Na verdade a própria construção da identidade brasileira ainda está por ser definitivamente moldada já que somos um povo único formado pelo amálgama de muitas raças e culturas.

Por outro lado, e também por conta disso, somos eméritos importadores de fórmulas ou ideais. A história de nossa nação é fecunda em movimentos copiados de outros países. Na verdade os principais fatos de nossa história se enquadram nesse “quesito”.

A “descoberta” do Brasil veio no rastro da “descoberta” da América...oito anos depois da esquadra de Colombo chegar ao novo continente, Cabral desembarcou na Bahia. Era preciso manter um equilíbrio de forças entre as grandes potências marítimas e, em assim sendo o novo continente foi loteado entre Portugal, Espanha e Inglaterra, com franceses e holandeses correndo por fora.

Descoberto o Brasil, o mesmo foi loteado em capitanias hereditárias cuja única finalidade era extrair daqui tudo que pudesse dar lucro para manter os luxos da coroa portuguesa. Ao Brasil era dado o mesmo valor que se dá a uma horta no fundo do quintal, serve apenas para produzir e ser espoliada quando se necessita de algum de seus produtos.

O papel do Brasil só mudou durante o período napoleônico, quando a corte portuguesa veio aqui refugiar-se com medo de Napoleão Bonaparte.

No período em que aqui permaneceu, já no Rio de Janeiro,foi que tratou-se de dar alguma melhor condição à Colônia, pomposamente inserida no título de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Claro que pela disposição geográfica de proximidade ao palácio real, tal incentivo privilegiou mais ao Rio, São Paulo e Minas do que ao resto do país.

Com os movimentos abolicionistas da escravidão e de independência pipocando ao redor do mundo, esses ideias passaram a ser encampados por membros instruídos da elite nacional, mormente por aqueles que tinham tido o raro privilégio de instruir-se fora do país onde 99% da população era de analfabetos.

Com o retorno da corte a Portugal, muitos portugueses que aqui viviam e detinham obviamente o poder na época, e alguns já brasileiros luso-descendentes, viram-se contaminados ( no bom sentido ) por esses ideais. A nossa independência tornou-se fruto desse descontentamento que abrangia até o príncipe D. Pedro I que preferia aqui ficar como imperador do que ser mais um na corte portuguesa.

Embora o novo país já nascesse com o governo recheado de grandes figuras abolicionistas ( inclusive D. Pedro e José Bonifácio) o Brasil dependia quase que exclusivamente da mão de obra escrava em suas grandes plantações.

Somente décadas depois é que se tornou inevitável a “libertação dos escravos”, isso já às portas da República. É interessante notar o contraditório dos ideais dos imperadores com as suas ações de intolerância aos movimentos populares e criação de quilombos. A nossa história está repleta de massacres, geralmente ligados ao Duque de Caxias desde antes de receber seus títulos de nobreza.

Restava pois o ideal republicano que se concretizou não com um movimento popular, e sim com um “Golpe de Estado” cuja figura central acabou por tornar-se Deodoro da Fonseca. Após os anos de ferro da recém-nascida república, tão intolerante com movimentos populares quanto o império, finalmente entramos na era dos governos civis e uma certa democracia. Oscilamos entre ditadores ligados ás oligarquias, como Getúlio Vargas, que teve a seu favor a criação das leis trabalhistas e por isso ficou conhecido como o pai dos pobres e figuras menos conhecidas até um novo Golpe Militar, fundado sobre o ideal de evitar que o Brasil caísse nas mãos dos comunistas. E tome anos de Chumbo.

Depois veio a transição democrática quando já não havia mais desculpas para manter-se os generais no poder. Só aqui a sociedade começou a aparecer como um todo, apesar de liderada por partidos políticos e a mídia.

Depois disso os cara-pintadas fizeram história com a derrubada de Collor.( onde andarão esses hoje senhores que pintaram as faces em prol de uma mudança liderada na época pela rede Globo, a mesma que elevara Collor ao status de caçador de marajás.)

Vieram os presidentes de vários partidos,O PSDB chegou ao poder com FHC, fez coisas boas e coisas absurdas,entrou o PT, seguiu em parte o que seus antecessores fizeram, e hoje o país está polarizado entre os dois grandes rivais.

Hoje o ideal brasileiro, se é que podemos chamar-lhe assim, é a luta contra a corrupção, mas não se vê o povo lutar...não se vê senão poucos movimentos, até certo ponto tímidos, nesse sentido.

O grande problema é que a tão esperada reforma política não virá enquanto não se mudar a cara do congresso, dos governos estaduais e municipais.

Os grandes caciques políticos mandam e desmandam como os antigos barões e depois os coronéis. Numa sociedade como a nossa que se contenta em esperar que outros tomem as decisões por si, continuaremos a ser meros coadjuvantes entediados e desmotivados em buscar uma melhoria para a qualidade de vida de toda a nação.

Dizem que os números não mentem, mas isso é uma grande mentira...nossas escolas, por exemplo, não formam pessoas capazes de pensar, quando muito formam analfabetos funcionais capazes de ler e escrever mas incapazes de interpretar um texto.

Falar em cidadania virou moda, mas a maioria de quem fala nisso não move sequer os músculos da boca para reclamar do mau atendimento recebido em qualquer lugar. Tenho presenciado muito disso e vejo as pessoas olharem incrédulas quando tomo alguma atitude em prol não só de mim, mas de todos aqueles que se encontram na mesma situação que eu.

Um ou outro levanta a voz e me faz coro nesses momentos, a maioria fica calada, inerte, amedrontada como se cobrar nossos direitos fosse um crime.

Talvez a culpa seja de nossa história, de tantos heróis de fachada que ganharam fama em deitaram-se na cama, e tão esquecida de outros que realmente lutaram por um ideal. A história do Brasil criou uma multidão de acovardados, de indolentes que estão sempre à espera de alguém para dar um novo “Grito do Ipiranga”.

Afinal, tudo que alcançamos até hoje, veio de cima para baixo, são sempre as elites que acabam detendo o poder. Até mesmo no PT um mesmo grupo detém o poder desde sua fundação até os dias de hoje.

São sempre as mesmas caras encabeçando siglas partidárias. Perpetuam-se senadores e deputados no poder há décadas, a maioria só sai de lá num caixão.

E o povo segue a sua sina de boiada, massa de manobra ou bucha de canhão.

Ou se luta por uma reforma radical na política ou continuaremos a ver navios.

Salvador, 30/06/2012