Maluco Beleza

A maior furada já criada como acréscimo para auxiliar os relacionamentos foram os sites com este tema. Deveria ser uma vertente. Tornou-se a base. Antes de convivermos com as pessoas, com o literal, nos envolvemos com o virtual.

Qual o problema? A mentira e o teatro em que, infelizmente, as relações assumem.

Quem fala cem por cento de verdade em uma rede social? Perdoem meu pessimismo, mas a resposta é: ninguém. Quem publica imagens ou comentários motivados em transmitir às pessoas o que realmente são e não um estereótipo aceitável? Não conheço, desculpe.

O convívio, apenas o bom e velho dia a dia vão definir quem uma pessoa é. Suas manias, suas excentricidades, suas chatices vão aproximá-los de vez, ou afastá-los definitivamente.

Todos possuem comportamentos um tanto bizarros. Todos. Mesmo com a seriedade e maturidade que - os outros dizem que - tenho também me incluo entre os com comportamento estranho. Tenho uma mania que me persegue desde sempre. Algo de criança que perdura até hoje. Adoro falar sozinho.

O banheiro é o meu local favorito. Em frente ao espelho encontro a pessoa que me sinto mais a vontade para discursar. Desenvolvo teses, faço piadas, comento sobre futebol, reflito sobre a vida tendo como plateia apenas eu próprio. Sou meu fã número um.

O problema é que não consigo condicionar este hábito exclusivamente aos locais adequados. Coloquem-me em um ambiente silencioso que não há como evitar a verbalização do que se passa na minha cabeça. É mais forte do que eu. Quase sempre consigo disfarçar. Quando um olhar me surpreende finjo que estou rindo de algo que lembrei a pouco. Fica difícil quando estou gesticulando - um orador que se preze precisa gesticular. O que dizer, ou como reagir quando se é flagrado com o indicador em riste para alguém que só você vê?

Por estes dias a caminho de casa, tarde da noite, questionava o preconceito que há em relação aos personagens de quadrinhos na indústria literária. Ovacionam novelas e menosprezam histórias com uma riqueza e profundidade muito maiores. Conseguia me ouvir perfeitamente. Os moradores das casas que passei em frente também. Avistei, então, ainda longe um homem maltrapilho que cambaleava na minha direção. Ao me aproximar observei seu cabelo desgrenhado, sua barba por fazer e o forte odor de cerveja, cachaça e afins que o pobre coitado, certamente, carregava em seu organismo.

Ao cruzar por ele não consegui evitar: ri. A princípio, moderado. Depois, exagerado. O que era tão engraçado, você deve estar se perguntando. Ele falava sozinho.

Qualquer um que o olhasse o sentenciaria como coitado, vagabundo ou maluco. Ou até os três adjetivos. Ri porque, assim como ele, estava na mesma situação. Não cheirava a álcool, mas falava sozinho no meio da rua. Conclusão: eu sou maluco.

Tudo bem. Já sabia disso. Não há problema algum. Todos nós somos loucos.

Ah, vai. Admita. Quem, em sã consciência, fica gritando em uma arquibancada de estádio para onze milionários que correm atrás de uma bola? Um maluco.

Quem fica horas em frente a um espelho trajando vestes caríssimas, pintando seu rosto, tingindo o cabelo e descaracterizando sua identidade? Uma doida, só pode.

Quem ouve música funk naquelas mini caixas de som irritantes? Ou quem aprecia o som daquela banda paraense, da mulher que sacode o cabelo para cima e para baixo e que tem um marido submisso? São pirados. Completamente alucinados.

O que me dizem de quem deposita sua fé e esperança em um homem que dizem que morreu e ressuscitou? Quem crê que este mesmo voltará para buscá-los? Loucos. Verdadeiros malucos.

Simão Bacamarte, o psiquiatra criado por Machado de Assis, chega a uma conclusão simples que esconde uma verdade absoluta. Depois de trancafiar quase todos os moradores da vila de Itaguaí na Casa Verde, o manicômio da cidade, concluiu que comportamentos considerados clinicamente reprováveis são comuns no ser humano. Ou seja: é normal ser maluco.

Para o Alienista, loucura era ser completamente sã. Sem atitudes estranhas, excêntricas ou fora do comum.

Hoje, malucas são as pessoas que tentam esconder suas falhas e debilidades. São os que tentam parecer perfeitos nos sites de relacionamento. Estes, sim, são completamente malucos.

Eduardo Dorneles
Enviado por Eduardo Dorneles em 30/06/2012
Reeditado em 30/06/2012
Código do texto: T3752870
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