Diário de Sonhos - #005 – O Sétimo Andar

Diário de Sonhos

Entrada #005 – O Sétimo Andar

O que eu estou prestes a escrever agora foi um dos sonhos mais intensos, impressionantes e desconexos que eu consigo me lembrar. Talvez as imagens contidas nele não tenham tanta força para o leitor quanto tem para mim. Mas garanto que pra mim foi uma experiência bem forte, pra não dizer desgastante. Mais cansativo ainda foi o trabalho de acordar com aquelas imagens ainda férteis na mente e anotá-las antes que elas fugissem ou minha imaginação criasse inventasse alguma coisa pra emular algum sentido num sonho sem pé nem cabeça. Entre o acordar e o começar a escrever eu acho que demorei menos de quinze segundos. E como eu sei que essas coisas podem escapar fácil, anotei somente as palavras chaves, montando tópicos sobre tudo o que eu tinha visto.

O sonho se passa em grande parte no sétimo andar da minha universidade. Este andar tem uma história bem interessante. O prédio onde hoje se encontra a faculdade pertenceu a uma antiga loja de sapatos. Originalmente o prédio tinha somente cinco andares, mas quando a universidade o comprou, adicionou um sétimo andar. Enquanto o andar ia sendo construído, nos andares abaixo as aulas prosseguiam normalmente. É claro que alguns estudantes mais atrevidos subiam até lá pra se drogar, fazer sexo ou simplesmente pelo desejo de violar o proibido. Nunca ouvi falar de que algum aluno tenha se acidentado ou até mesmo morrido ali. Quando o andar ficou pronto, apesar dos esforços da construtora, ele possuía uma estrutura e decoração diferente dos outros andares. Naquela época os elevadores iam somente até o sexto andar, obrigado as pessoas a subirem um andar a pé. Isso, entre outros motivos, contribuiu para que poucas turmas estudassem lá. O andar ficou praticamente abandonado. Isso gerou uma série de histórias de fantasma.

O que acontece é que, devido ao abandono, o andar realmente possui uma atmosfera peculiar, principalmente quando começa a escurecer. Alguns faxineiros mais impressionáveis (ou brincalhões) relataram terem ouvido coisas estranhas lá, como passos pesados e som de corrente se arrastando. Um segurança também disse ter ouvido som de corrente. Tudo isso contribuiu para o mito do sétimo andar na minha universidade. No ano de dois mil e dez, quando eu estava no quarto semestre, alguns alunos da minha turma fizeram uma ficção em forma de documentário abordando o sétimo andar. Eu fiquei tão impressionado com o trabalho que quase perguntei se eles não queriam levar aquele projeto adiante e fazer até mesmo uma ficção. Então essa ideia sempre ficou na minha cabeça. O mito do sétimo andar. Não que eu acredite em alguma coisa, mas uma mentira dita cem vezes torna-se uma verdade. E eu estava disposto a brincar com essa afirmação.

Eu sonhei...

Sonhei que estava indo para universidade. Eu pretendia chegar cedo pra aula, então saí de casa durante a tarde. Eu havia saído do Metrô e apanhei um ônibus. O motorista dirigia como um louco. Tentei olhar pra cara do sujeito, mas raios partam a lógica, o motorista era um meme! Sim, um meme, mais precisamente este aqui:

http://facool.com.br/images/biblioteca/Douglas/memes-2.jpg

Desci no ponto em frente à universidade. Antes de entrar, percebi que havia perdido minha mochila. Eu sou o tipo de pessoa (nerd) que nunca sai de casa sem mochila, nem que seja só pra levar a carteira. Então imagine o quanto eu tenho medo disso acontecer.

Pensei ter perdido a mochila no ônibus. Eram três da tarde. Peguei outro ônibus e voltei até o Metrô. Espero no ponto e subi no ônibus onde encontro minha mochila. O motorista corre como louco. Tento olhar pra ele. É o motorista meme, na exata posição em que eu o havia visto antes. Desço no ponto da faculdade.

Vou até o banheiro. Ele fica bem no meio da faculdade e mais parece uma cozinha. As janelas todas abertas e a única coisa que serve como porta é um pano servindo de cortina. Com muita vergonha eu consigo fazer xixi. Lavo as mãos e saio. Lá fora já é noite. Poucas luzes estão acesas, pessoas movem-se como fantasmas na escuridão, quietas e sérias. Olho para o meu celular e já são dez para as onze da noite. Saio correndo pra ver se consigo pegar pelo menos o fim da aula. Começa uma tempestade forte, com trovões e relâmpagos. O elevador fica numa área descoberta. Corro até ele e me abrigo da chuva. Dentro do elevador há outras pessoas. Olho para o painel que vai até o sexto andar. Aperto o seis. O elevador sobe até este andar e abre as portas. As pessoas saem todas do elevador, menos eu. Não que eu não quisesse, mas eu não conseguia. Tentava me mexer, mas não saía do lugar. O elevador fecha as portas e começa a subir. No visor aparece o número sete, apesar de não existir este botão no painel.

O elevador abre e eu me deparo com uma das cenas mais incríveis. O sétimo andar é, na verdade, uma grande plataforma circular a céu aberto. Não havia paredes, somente uma laje de concreto. Estava tudo escuro e continuava chovendo e trovejando. Saio do elevador e quando olho pra trás não existe mais elevador. Estou de costas para a beira da plataforma (esqueci de dizer que tenho medo de altura). Vou até o centro da plataforma. Em lados opostos, há duas escadas de metal sem proteção nenhuma além de um corrimão. Decido descer por uma delas. O chão é extremamente escorregadio, e quando tento descer pela escada eu escorrego e me salvo da queda somente por ter me agarrado ao corrimão no último momento. A altura é muito grande, de centenas de metros. Os carros movem-se lá embaixo como pequenos pontinhos pretos. Desço até o sexto andar.

O sexto andar é uma casa velha de madeira com quadros caindo pelas paredes. Passo por uma sala onde tem um piano ou um cravo muito estranho. As teclas pretas e brancas estão amontoadas no centro como se alguém as tivesse empurrado das bordas para o centro formando um montinho. Uma menina sentada à frente dele toca alguma coisa que eu não consigo ouvir. Reparo que perdi minha mochila. Desço por uma rampa me vejo numa sala de pedra com janelas por todos os lados. Lá fora chuva e trovões. Olho pelas janelas e estamos a muitos metros de altura, como se a sala estivesse suspensa em pleno ar. Alguns homens trabalham em rolos de filme. Há vários rolos espalhados pela sala. Pego um. Um dos homens se zanga e o toma de mim, jogando pela janela. Eu pulo atrás dele.

Estou no sétimo andar de novo, mas agora é dia e faz muito sol. Minha visão está estranha, como se eu estivesse vendo o mundo através de uma lente olho de peixe. A construção também é diferente. O que antes era apenas uma laje lisa com duas escadarias, agora está toda ornamentada com tochas e objetos maias ou astecas. Ouço um “hum” grave e constante, como se fosse homens rezando. Há uma grande construção colorida suspensa no ar, provavelmente uma fortaleza. Dessa fortaleza uma grande flecha é lançada e cai perto de mim. Quando olho pra trás, há uma dezena de guerreiros indígenas em formação de batalha. A flecha acertou um deles. Os soldados pareciam feitos de papel, muito finos, mais ou menos da grossura de um dedo polegar. Os guerreiros correm em direção à fortaleza erguendo suas lanças. A fortaleza responde lançando uma saraiva de flechas tão densa que chega a cobrir o céu, como se tivesse de repente anoitecido. Um por um os guerreiros morrem e a chuva de flechas se aproxima de mim. A única saída é aquela outra escadaria que eu não havia seguido antes.

Estou num lugar estranho, uma espécie de esgoto. Um túnel todo escuro feito de pedra. Um lance de escadas para baixo que termina numa porta pesada e enferrujada. A área próxima da porta está alagada, com animais mortos boiando. Desço as escadas e entro na água, que bate um pouco abaixo dos meus joelhos. Um sapo gordo e nojento do tamanho da minha cabeça pula em mim. Seguro com minhas mãos e o mato com meus dentes, arrancando víscera por víscera enquanto ele se debate e faz um barulho estranho. Vou até a porta e encosto meu ouvido nela. Ouço vozes graves e estranhas, como se fosse uma oração xintoísta. A porta está fechada apenas por um ferrolho. Destranco-a e saio. Estou num pátio. As casas em volta estão todas destruídas como se tivesse havido uma guerra. Depois de uns dez passos, olho em direção à porta de onde eu vim. Descendo pela escada, duas criaturas humanoides me perseguem. São dois homens nus com cabeça de boi carregando espadas tão grandes e pesadas que o único jeito de carregá-las é arrastando. Isso produz um barulho de metal rangendo que me gela a espinha. Não consigo me mexer, não consigo afastar o olhar. Estou preso no mesmo lugar e na mesma posição vendo as duas criaturas se aproximando de mim muito lentamente. Não consigo gritar. Minha visão começa a avermelhar, as criaturas atravessam a porta, uma atrás da outra. O barulho das espadas sendo arrastadas é ensurdecedor. São homens nus com cabeça de boi carregando espadas tão grandes quanto eles mesmos. E estão se aproximando de mim.

Aí eu acordei...

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 30/06/2012
Código do texto: T3752384
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