Diário de Sonhos - #004 – O Abraço
Diário de Sonhos
Entrada #004 – O Abraço
Sou um antissocial. Detesto conhecer gente nova. Odeio lugares lotados. Também odeio que pessoas desconhecidas ou por quem eu não tenha muito afeto me toquem. Mas por outro lado, as pessoas de quem eu gosto sinto tanto medo ou timidez de, sei lá, quebrar ou machucar ela, que também evito tocar.
Este é o caso de uma amiga minha. Ela não é só uma amiga: é minha melhor amiga. A pessoa que mais me apoiou e ficou do meu lado não importasse a situação. Uma vez cheguei ao extremo de arranjar uma briga tão feia com ela que qualquer coisa servia de munição. Mas ela só revidava com carinho. Perdi a batalha. Não importa o que eu fizer, meu lugar é sempre ao lado dela. Perdi a batalha. Ganhei uma amiga dentro de mim.
Mas apesar desse laço tão forte, eu nunca deixei que ela me tocasse. Às vezes quando nos reuníamos com outras pessoas, fosse pra fazer um curta-metragem ou numa aula de oficina de cultura, eu sempre cumprimentava a todos com apertos de mão, as mulheres com beijo no rosto. Mas a ela somente com um “oi”. Sentia vergonha, medo, não sei bem dizer. E com o tempo ela aprendeu o mesmo. A todos cumprimentava cordialmente, mas a mim apenas com um “oi”. No entanto, esse nosso “oi” era muito mais forte que qualquer aperto de mão. A única vez em que nos abraçamos, ou pelo menos tentamos isso, foi quando eu dei um presente pelo seu aniversário. A iniciativa foi dela, e eu respondi canhestramente. Não sabia direito como abraçar uma pessoa por quem eu realmente sinto afeto. Não sei direito como responder. Vergonha? Talvez. Medo? Medo de ela se sentir incomodada com meu abraço, medo de ela não querer mais falar comigo por causa de um abraço. Medo bobo e infantil. Mas eu sinto assim mesmo.
Este sonho talvez seja uma resposta a esse meu medo. Fico feliz em ter sonhado com isso. Com certeza foi o sonho mais lindo que eu já tive, o sonho que eu vou levar pra sempre no meu coração. E também o sonho que mais dói por saber que acabou.
Eu sonhei...
Sonhei que estava em casa no computador, conversando com minha amiga pelo Facebook. Ela disse que estava fazendo um trabalho e queria minha ajuda. Ia fazer um programa de TV sobre metal e ia ter uma banda nesse programa. Estavam precisando de um baterista. Ela queria que eu fosse esse baterista (apesar de eu nunca ter tocado bateria na minha vida!).
Chego à faculdade. Algumas mulheres dizem que vão fazer a maquiagem em mim. Eu pergunto onde está minha amiga, mas não me respondem. Estou numa espécie de camarim. Várias mulheres andando pra lá e pra cá. Olho-me no espelho. Estou com a cara toda pintada, que nem os caras do Kiss. “Onde você foi me enfiar dessa vez, Cris?”. Finalmente levanto. Estou todo trajado de couro, parecendo mais garoto-propaganda de sex shop.
O programa já acabou e eu estou vestido normalmente. Estou limpando o rosto quando ouço alguém dizendo “Ei, Miguxo!”. Era minha amiga. Termino de enxugar o rosto. Ela me agradece pela ajuda e apesar da minha resistência me dá um abraço. Um abraço bem forte. Inicialmente eu luto pra terminar logo, mas aos poucos me sinto vencido e me entrego. É quente e aconchegante. Deito minha cabeça no ombro dela. Tudo fica silencioso. A única coisa que eu sinto é o calor e o carinho do abraço de minha amiga. Sentia como se estivesse nu, como que só pelo abraço ela pudesse esquadrinhar toda minha vida, sentir todas as coisas ruins que eu senti. Naquele abraço eu estava contando pra ela todas as coisas ruins, todas as dores que eu carregava em mim e nunca trazia à tona. Já não sentia meu corpo. Só sentia a pressão dos braços dela me apertando, sua cabeça deitada no meu ombro. Naquele abraço eu pude mostrar minhas feridas sem medo de que isso a afugentasse. Mais que qualquer coisa, eu tinha uma sensação de segurança e proteção. Quanto tempo esse abraço durou? Minutos, horas, dias? O tempo não significava mais nada ali dentro daquele abraço.
E então eu acordei, infelizmente eu acordei...