Diário de Sonhos - #003: Linha do trem, folhas ao vento e pés descalços
Diário de Sonhos
Entrada #003 – Linha de trem, folhas ao vento e pés descalços
Quanto mais eu presto atenção em meus sonhos, mais nítidos e intensos eles se revelam a mim. É incrível a quantidade de coisas e detalhes que vejo num único sonho. Quando acordo, tenho o costume de anotá-los num caderninho que deixo ao lado da cama. Nas primeiras vezes eu costumava anotar tudo, mas isso, além de dispendioso é muito cansativo para a mente recém-desperta. Então comecei a anotá-los em palavras-chave: sonho do trem, estação Luz, meninos correndo, guarda zangado. Apesar da imprecisão, essas palavras conseguem me fazer puxar os sonhos lá do fundo e trazê-los à luz da vigília e do mundo dos despertos.
Dessa vez não foi apenas um, mas quatro sonhos em seguida. Uma verdadeira overdose onírica. Infelizmente um deles me escapou, mas consegui prender os outros três. O primeiro sonho é sobre trens. Se eu tivesse coragem, escolheria cometer suicídio me jogando na linha do trem. Acredito que este sonho reflita este desejo reprimido. O segundo sonho é sobre um trabalho de faculdade atrasado. Já passei por isso várias vezes, e a sensação não é nada boa. Minha úlcera começa a atacar, meus nervos ficam à flor da pele. Procuro adiantar os trabalhos sempre que posso, mas nem sempre isso é possível... Por fim, o terceiro e mais bizarro sonho. Em certa época fui acometido por frieiras muito fortes. Fui negligenciando o tratamento até o dia em que tirei as meias e vi a pele entre os dedos do pé toda comida e soltando pus. Além de nojento, era extremamente doloroso. Nunca mais tive uma crise dessas, mas sempre tive medo de que ela voltasse.
Eu sonhei...
Sonho do trem
Sonhei que estava numa grande estação de trem, com várias plataformas e trens entrando e saindo abarrotados de gente. Era dia e fazia muito sol. Eu estava sentado num banco, observando a movimentação. Avistei ao longe o trem que deveria parar na plataforma onde eu estava. Levantei e caminhei até a beirada. O trem vinha com velocidade, um colosso negro que nada podia parar. Mesmo estando longe eu podia ouvir seu pulmão metálico respirando. Pouco antes de ele chegar eu pulei na linha e me virei para encará-lo de frente, mas já não havia mais trem. Também já não haviam mais pessoas e trens entrando e saindo; a estação estava deserta. De repente algumas crianças surgiram de algum lugar abaixo da plataforma e saíram correndo pela linha de trem. Eu os segui. Por mais que eu corresse, eles se afastavam cada vez mais. Quando parei estava escuro e eu estava tão longe da estação que sequer podia vê-la no horizonte. Uma luz veio em minha direção em alta velocidade e por pouco não fui atropelado pelo trem. Atrás de mim apareceu um policial britânico batendo um cassetete na mão e me olhando com ar de reprovação.
Sonho do trabalho atrasado
Sonhei que estava sozinho no laboratório de computadores da faculdade. Então alguns colegas entraram, perguntando se o Inter estava pronto (a saber: Inter é o projeto interdisciplinar da minha faculdade. É um mini TCC). Eu fiquei apavorado e disse que nem sabia que tinha Inter, que eu sequer tinha começado. Meus colegas ficaram bravos e antes de saírem me disseram que eu tinha menos de uma hora pra terminar. Meu computador não ligava. Tentei todos os outros e nenhum deles ligava também. Saí correndo à procura de outro laboratório. No meio do caminho encontrei meu professor e ele perguntou onde estava o Inter. Respondi que ia imprimir e continuei meu caminho, ainda mais aflito. Em todos os laboratórios, assim que eu entrava alguém me dizia “está reservado pra aula”. Estavam todos reservados. Olhando para o teto, notei que um dos pontos da tubulação estava aberto. Peguei uma escada e subi, adentrando a tubulação. Rastejei por ela e cheguei num laboratório bem diferente dos outros. Os computadores eram dispostos em forma de um grande x. O ambiente parecia saído dos filmes de ficção científica da década de 1970, todo claro e coberto de celofane prateado, com grandes máquinas cheias de válvulas e botões piscando em várias cores (lembrava muito aquele episódio da troca de cérebros do Chapolin Colorado). Os computadores eram antigos, com aqueles monitores grandes. Como não havia ninguém eu escolhi um e liguei. Era Windows 95. Fiquei com muita raiva, principalmente quando ele travou só pra abrir o Word. Comecei a escrever alguma coisa relacionada com Vinícius de Moraes (ele foi o tema do meu Inter). Então tocou uma campainha e a porta se abriu, vindo um monte de gente falando alto e rindo. Uma mulher de uns cinquenta anos veio até a mim dizendo que o laboratório era pra aula e que eu não deveria estar ali.
Sonho do pé machucado
Sonhei que estava num bar tocando com minha banda. Era um bar bem pequeno, quase que um corredor. Havia poucas pessoas, umas três ou quatro, sentadas conversando ou bebendo. Do lado de fora havia bastante gente. Ninguém prestava atenção em nós. Fazia um barulho infernal. O baterista batia com tanta força que eu sentia que ia quebrar os pratos a qualquer momento. O guitarrista não fazia nada além de fritar sem parar, a vocalista soltava berros estridentes e eu não conseguia entender nada do que ela dizia. Eu, no contrabaixo, não sabia que música eles estavam tocando. Tentei tocar qualquer coisa, mas não ouvia nada. Aumentei o volume do amplificador, mexi no volume do instrumento e nada. Cheguei à conclusão de que o amplificador é que estava quebrado e que devia ir até em casa buscar o meu. Perguntei ao baterista se ele podia ir comigo de carro, ao que ele respondeu que não, que estava tocando. Decidi ir a pé. Saí do bar e caminhei. Só depois que muito andei lembrei que sequer sabia onde estava e, portanto, não poderia saber como chegar em casa. Tentei voltar para o bar, mas me perdi. Comecei a sentir muita dor nos pés, uma queimação que ardia entre os dedos. Quando olhei pra baixo, vi que estava descalço. Meus pés estavam repletos de feridas e pus, a carne exposta e cheia de vermes. Coçavam muito também. A coceira ficou tão forte a ponto de eu não aguentar. Rasguei um pedaço da minha camiseta e esfreguei com força entre meus dedos a fim de aliviar a coceira. A coceira parou. Eu me levantei e tentei correr em direção ao bar. Finalmente o avistei ao longe. Mas quando olhei para os meus pés, foi uma das imagens mais bizarras que minha mente já produziu. Imagine um pé todo comido, repleto de pus e vermes. Agora tire todos os músculos e ossos, ficando só a pele ou a parte mais externa do pé. Foi isso o que eu vi. Um pé oco, todo vazio por dentro, mas que ainda assim conseguia correr e sustentar todo o meu peso.
E então eu acordei...