Disfarces éticos.
Ontem, ao ver o jogo Itália X Alemanha, quando esperava um jogo favorável aos alemães, acabei vendo, além de vistoso futebol em favor da azurra, uma cena ética que abalou o mundo. Até aquele momento do jogo, o atleta Mario Balotelli, era apenas um jogador diferente do elenco italiano. Não porque era mais conhecido, ou porque simbolizava um craque onde se depositava confiança em termos ofensivos. Tratava-se apenas de um jogador diferente porque era negro, num universo de tantos jogadores de outras raças.
A surpresa foi maior ainda, porque dito jogador foi a estrela do jogo. Não só fez dois lindos gols, como também exibiu certo sarcasmo quando fez o segundo gol. Tirou a camisa (lance proibido nas regras do jogo) e, ao invés do optar pelas cenas que estamos acostumados a presenciar, em que o goleador usa a indumentária como se fosse uma bandeira, o jogador italiano, contrariando essas expectativas, preferiu apenas fazer pose inusitada ao exibir seu porte físico para as Câmeras, além de expor um semblante sisudo como se quisesse ironizar sua presença naquele estádio de futebol.
Sucede que tais proezas renderam, hoje, em todo mundo, visíveis manifestações de cunho filosófico em torno da conduta, onde a mídia tenta chegar ao elemento subjetivo da atitude. A primeira coisa que se cogita é a origem ética do referido jogador, visto que se trata de alguém sofrido, adotado em tenra idade, com histórico de abandono pelos pais biológicos. Rebuscam-se, a partir daí, outros elementos de sua índole, surgindo notícias de um histórico pouco recomendável em termos de comportamento dentro e fora de campo.
Esse fato em si é a demonstração clara de que as pessoas que sofrem um dia podem ser premiadas com algo bom. A revolta desse jogador e a sua forma pouco convencional de comemorar seus gols é, talvez, uma resposta a tudo que passou até então. Imagine como é viver num local onde as pessoas, em sua maioria, são de outras raças e ainda sentir-se rejeitado na sua fase de vida mais importante para sua edificação de personalidade. Diante disso, prefiro achar que aquele gesto foi nada, perto do que esse jogador já passou.
Em todo caso, o jogador Mario Balotelli já se apresentou ao mundo. Seus gols abriram um clarão no mundo para a questão da adoção e da capacidade das pessoas se superarem quanto às suas pendências psicológicas, para, assim, poderem emergir como cidadãos honestos e leais e chegar até o estrelato como é o caso desse jogador.
Acho que essa atitude individual de um único homem, no meio de tantos outros, abre horizonte para que os seres humanos enxerguem as diferenças como algo inerente à necessidade de crescimento do homem, para que comece a ver os outros como ser semelhante. Os preconceitos muitas vezes são desumanos, já que são servidos em doses imperceptíveis que acabam minando a infelicidade e o desamor.
O desabafo de Mario Balotelli é perfeitamente compreensível por quem enxerga as vicissitudes humanas. É nítido de que se trata de um jogador que, se até hoje, não se encontrou com a serenidade humana, certamente, depois desse gesto, estará liberto para espanar a poeira da agonia em favor da limpidez de espírito.