"A União Faz... O Coletivo"
Desde que o inventaram, o ser humano se adapta a cada coisa...
Imagine-se num ônibus lotado – o ônibus: este espaço tão propício à construção e mantença de relações sólidas e duradouras! Suponha que seja seis horas da matina e você esteja com fome, é obrigado dividir um metro quadrado com oito pessoas ou mais, sendo que uma delas é um alguém que excedeu o peso e mesmo ficando de lado obstrui completamente o corredor, impedindo além da passagem a respiração dos que a cercam. Ao lado uma família conversa em alta voz. Quatro crianças revezam entre choros estridentes e xingamentos. Pacotes e pacotes espalhados pelo lastro.
Um moleque é reclamado a cada minuto por colocar a cabeça para fora da janela. Um bêbado cospe numa velhinha que arma um barraco e junto com o bêbado obriga mais três pessoas – que riram – a descerem. Um cidadão tropeça numa bengala e se junta ao grupo de pessoas no corredor: tão próximas umas das outras que por pouco não se fundem. Entre tantos outros riscos dessa união, você pode descer do coletivo vestindo a roupa de outro; ou ainda carregando uma bolsa que não seja a sua; em último caso: contrair uma doença contagiosa.
Lá no fundo um rapazinho escuta um pagode no volume máximo de seu aparelho de celular (mas você jura que é uma caixa amplificada). Uma protestante reclama aos gritos – e em nome de Deus! Mas só de pirraça um outro começa a cantar a música batucando ora nas costas de um acento, ora no vidro da janela. Irritante!
O motorista não dorme há três dias e já demonstra sinais de cansaço, mau humor e carência afetiva: ambos detectados com base nas freadas bruscas que fazem as cabeças se chocarem durante toda trajetória. É torcer pra ninguém cair, aliás, nem teria espaço pra tal feito. E naquela agonia implora-se para que ninguém resolva liberar seus gases intestinais, vulgo pum. Para completar entram um vendedor de castanha e um embolador de coco. E só nos resta ouvi-los.
De longe avisto minha parada. Não sei se irei conseguir descer. Por um momento sinto inveja por não ser o homem-aranha ou qualquer outra criatura com poderes sobrenaturais. Penso, penso... Não consigo ter uma idéia brilhante que me ajude sair dalí. Tento me segurar para não perder a paciência nem a bolsa – não necessariamente nessa ordem. Uma contusão aqui, um hematoma ali e passo pela porta apertada, apertada... Respiro fundo e desço aliviada.