Não sei! Não Pergunta Isso!

Nada irrita tanto um pai quanto a incerteza de um filho.

Qual presente irá querer de natal, que esporte irá praticar no turno inverso ao horário escolar, para qual curso prestará vestibular, com quem irá se casar, entre tantas outras coisas que afligem a perspectiva paterna ante o futuro de sua cria.

O filho ainda não desenvolveu autonomia suficiente para decidir qual serão as decisões que regerão seu futuro, e o pai o pressiona ardentemente para chegar a uma conclusão. É uma tendência masculina. Como, naturalmente, somos programados para estar a frente de decisões – apesar de não estarmos, na maioria, desempenhando este papel – a cobrança é muito maior vinda pelo lado masculino do que pelo feminino.

Em uma sociedade cada vez mais imediatista, os pais tentam de todas as formas influenciar os filhos para o que eles querem. A liberdade que deveria – na sociedade idealizada que está em minha mente – conduzir o processo de crescimento da linhagem foi abortado por um regime ditatorial paterno.

Até os bebês sofrem com isso.

Quando Sophia, minha sobrinha mais nova, nasceu foi recepcionada com um enxoval completo do time do coração do pai, o Internacional. Tudo era vermelho. Tudo era do Inter. Da chupeta a fraldinha bordada com o brasão do clube. Adesivos imponentes com o dizer "já nasci colorada" estampavam o vidro traseiro do carro do meu cunhado.

Com o convívio com o irmão mais velho, gremista doente, a influência passou a ser sentida. Guêêêmio!!! bradou a pequenina em certo momento. Furioso, seu pai declarou lei marcial: nada de mencionar o nome do rival para sua preciosa filha.

Sophia, apesar da pouca idade, assimilou a ordem. Toda comemoração do Gabriel por um gol do Grêmio era concluída com a mesma cena. Ela entrava no quarto, com o dedinho em riste nos lábios sussurrava: Não diz isho. Papai não gota.

Ela continuou crescendo. Sabe como são os filhos quando crescem, sempre querem tomar suas decisões. Com a Sophia não foi diferente.

Com a camisa do Grêmio que tinha ganhado, Gabriel fez a seguinte pergunta para a irmã: Você é do Grêmio ou do Inter? Com o olhar doce de uma bebê de dois anos e pouco balbuciou: Guêmio.

Esta simples declaração resultou na maior batalha já vista naquela casa. A vitória? A escolha para qual time Sophia torceria.

Mas sabe como são as crianças, não importam-se com a pressão alheia.

Estava fazendo um vídeo dela dançando e cantando borboletinha está na cozinha fazendo chocolate para madrinha, poti poti, perna de pau, quando a pergunta foi novamente colocada em pauta: para qual time você torce Sophia?

Virando o rosto para o nada a resposta foi curta e grossa: Não shei. Não pegunta isho.

Simples e categórico. Para o desespero de seu pai e do irmão ela ainda não decidiu.

Tudo bem. Vejo nela um grande potencial para seguir os passos do tio.

Eduardo Dorneles
Enviado por Eduardo Dorneles em 28/06/2012
Código do texto: T3749678
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