CONTO 1 - LIBERDADE.

Cachoeiras de Macacu, local conflagrado na dita revolução de 1964. Comarca de terras em extensão, terceiro município em dimensão do Estado do Rio de Janeiro.

A movimentação dos grileiros e posseiros, sem nada conhecerem de marxismo, funcionava como massa de manobras de outros que também pouco conheciam, mas faziam disso meio e modos de alterar o que seria a democracia, e insuflavam os mais pobres a tomarem as terras e produzirem o que elas davam como primeira economia, o carvão, lenha transformada na fogueira.

E derrubaram boa parte da mata atlântica, vazias as margens da estrada. Isso a tal ponto que com a revolução nem mesmo o proprietário de terras podia cortar um metro de lenha para fazer uma festa com assados sem a permissão do coronel do exército que mandava na região.

Um novo juiz que tomou posse no cargo entrava no Fórum no meio de fila indiana com lavradores com foices e facões nas mãos e corda dizendo que enforcariam o juiz. Entravam como terceiros nas disputas processuais para tumultar. Foi convocada força pública e o juiz apreendeu mais de cinquenta espingardas de caça no reduto dos manifestantes permanentes.

O novo magistrado estava a uma hora do Rio de Janeiro, sua residência. Pessoa jovem, idealista e independente. Com sua presteza trabalhava sério, obediente aos seus princípios e à lei. Logo chegaram inconvenientes expedientes, pedidos de informações de quarteis do exército pedindo detalhamento sobre andamento dos feitos de toda ordem, cíveis, principalmente sobre processos de disputas de terra. Respondeu o primeiro por educação dizendo que era magistrado e estava submetido somente ao Tribunal de Justiça do Estado e a ele devia informações, ainda assim em grau de recurso e em determinados casos. Não era militar. Os pedidos se seguiram.

O jovem magistrado passou a jogá-los no lixo.

O escrivão com muita sutileza disse ao magistrado que acabara de chegar: Doutor, o juiz anterior levava em mãos ao quartel. Respondeu o jovem juiz: ele é um despersonalizado ou deve alguma coisa de errado.

E ocorreu eleição municipal onde ex-prefeito tentava se reeleger, embora com processo por ter em mandato anterior pago a uma empreiteira que construía a nova sede da prefeitura todo o preço do prédio quando ainda estava na metade a construção e paralisada obra. O Ministério Público entrou com ação penal e nessa época, recebida a denúncia, o candidato restava ilegível, bons tempos. O juiz recebeu a denúncia após o candidato ter ganho a eleição, e negou sua posse.

Em aniversário de um parente o juiz se encontra com outro parente, primo que morava no Rio Grande do Sul e não via fazia tempo, pertencia aos órgãos de informação, era militar de patente alta, disse então: está jogando nossos expedientes no lixo hein..vc esteve para ser cassado, só não foi pelo seu passado limpo e por ter negado posse ao prefeito comunista.

É um conto que mostra o que é a liberdade e o processo legal indispensável para que não se cometa injustiça. Talvez por terem o mesmo sobrenome o militar fora ouvido e o jovem magistrado não foi cassado sumariamente.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 28/06/2012
Reeditado em 08/07/2012
Código do texto: T3749664
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