ESPANCADA
ESPANCADA
Meu nome é Maria... Sou uma do lar!
Aprendi com muito custo que viver não é um sonho, mas uma dura realidade que às vezes sufoca, outras vezes faz agrado, pouco faz-nos sentir prazer e sempre exige a nossa intenção de prazer para continuar vivendo. Ainda menina, eu descobri o quanto é difícil ser mãe, o quanto eu deveria ter ficado em casa, conhecido e desfrutado minha liberdade, desfrutado da minha família... Minha mãe!
Felicidade é apenas uma palavra que se faz distante para mim... Não fui apresentada a ela! Infelicidade não é uma coisa na minha vida... Apenas o resultado de tudo quanto deixei acontecer; um reflexo do meu passado ao presente que se mistura ao pesadelo dos sonhos mal vivido! Viver tornou-se para mim mais uma desculpa para continuar o meu dilema nas dores da falta do gosto. Hoje, é mais um refrão que aprendi quando as lágrimas escorriam por minha face desfigurada, e algumas pessoas me diziam que: a vida é assim mesmo, de momentos e momentos que passam, restando apenas as suas memórias.
Memorias... Lembranças! Olho, às vezes, minhas crianças brincarem, rirem, sem saberem do meu sentimento sofrido. Desconhecer é favorável ao passar no tempo! Memorias de criança não passa quando o agradável é puro real, quando as experiências de prazer, forem emblemas a história construída. Mas, quando no seu dia que passa, a criança vira moça virada, então, das experiências vividas faz do doce o amargo, do sorriso o choro, da voz o silêncio. Deixa de pensar no quanto é bom viver para unicamente desejar sobreviver.
A sobrevivência é da força, arrancada nas lagrimas de choro contido, que impulsiona o aterrorizado a querer uma solução, a pensar em caminhos de bem a solução desejada, a fazer do amanhã no seu dia a dia, o motivo de sua esperança a conquista de uma solução de bem agradável.
Esperança! Olhar para o amanhã com esperança é a única coisa que me move a continuar vivendo, pois a esperança de dias melhores faz de mim uma pessoa serena. A esperança me motiva a aguardar a solução que desejo e que nela trabalho em sua construção. Olho minhas marcas no corpo, marcas na mente, marcas no coração... Marcas que jamais de mim sairão! Preciso, no mínimo, sair deste momento de dor, superar o desprazer de tamanhas cicatrizes que carrego, fazendo-as apenas marcos da experiência da vida. Sendo assim, muito mais do que marcas das dores experimentadas, eu preciso que sejam indicadores do que passei, quando, pelo momento sofrido, a todos venci.
As marcas do corpo me fazem pensar no desconforto da dor que sentia em suas feridas quando sofridas; levam-me por pensamentos ao local de tormento, ao carrasco em minha vida, indivíduo de corpo maior, brutal, avassalador... Meu agressor! Marcas que marcaram meus braços quando por ele apertados, minhas pernas quando por ele chutadas, meu rosto quando por ele esmurrado. Ainda vejo em minha imaginação, o sangue derramado por minha boca dos lábios deformados, escorrendo pela minha face do cílio cortado, sangue misturado às lágrimas de meu choro doído. Ainda me vejo jogada ao chão, marcada pelo cinto em seu dobrão, insultada, praguejada, violentada em minha infância, quando, dai por diante, foi a única forma de viver que pude obter. Doía-me cada pisa que levava, de cada murro que me quebrava, de cada empurrão que me derrubava.
As marcas na mente inflamaram a minha consciência, causando o desapego aos valores morais. Fizeram-me desacreditar na ação moral emblemática a uma sociedade machista e absoluta em seu juízo de justo juízo ao homem por seu direito exclusivo de julgar. As marcas na mente putrefizeram minha inocência me impedindo de acreditar num mundo de iguais, num mundo de bondosos, num mundo de amores. Estas marcas foram tão profundas, enraizadas ao mais entranhável do meu ser, e elas entornaram de mim o prazer com algum outro, destilaram de mim a espera por alegria de algum outro a mim, dissecando-me a beleza interior, enveredou-me as incertezas de que um alguém possa ser confiável em sua ação desinteressada ao proveito próprio, em facilitar algum tipo de bem a outro.
As marcas no coração foram as mais incruentas a quebra de relacionamento com o próximo. Fez-me perder de vista o amor, os sonhos e fantasias da paixão, fez-me distante da felicidade da juventude que encanta. Essas marcas me sucumbiram à tristeza, a angustia e a depressão; tornou-me desalentada, impedida de encontrar algum sentido na própria vida, impedida de querer procurar sentido a ela. Duas perguntas passaram a martirizar minha vida com presença marcante: Quem poderá me fazer feliz? A quem poderei fazer feliz?
Os momentos sofridos de minha vida são companheiro em minha existência. São, por terem produzido marcas, por terem me impressionado, mas também por terem me feito querer ser mais do que me faziam sentir, enquanto eu era espancada. A cada espancamento eu olhava para meu carrasco como um inferior a mim. Quando me batia, eu pensava: Bates-me por ser forte, mas tua força não me impedirá de viver; os meus momentos sofridos são passageiros, porém, eu, nunca deixarei de ser, ainda que me batas até que a ultima gota de sangue eu perca; ainda que todo o meu corpo seja quebrado eu permanecerei viva, superior a ti; ainda que eu não consiga sair de minha prisão, o meu espírito nunca te será de direito, pois serei livre para pensar de mim como superior enquanto me espancas; serei livre para me amar mesmo que me odeies; serei suficiente para te superar enquanto não me queres. Por quanto nunca teres me amado, por tudo o que desde cedo me fizeste sofrer, ainda assim, eu me amarei.
Não aceito o que me fizeste!
Hoje sou mulher e te desprezo em tua maldade! Enquanto menina não conseguia de ti me livrar ao teu amor, mas agora, sofrida, consciente, marcada pelas marcas de tua crueldade, descobri que te sou maior do que imaginas; descobri que te posso fazer mais do que o mesmo que me fazes; também descobri que posso seguir minha vida e dela ser dona, senhora e guardiã. De espancada passo a destemida mulher! Apurada no pensamento, decidida no coração e limpa de corpo ao teu. Farei de mim o que nunca fizeste, pensarei de mim o que nunca pensaste, sentirei por mim o que nunca sentiste. Não fugirei, mas te enfrentarei, não te espancarei, mas te entregarei e não te anularei, mas te superarei.