Identidade e culpa

De agora em diante eu vou entrar em irrestrita e fervorosa sintonia com a minha natureza. Nos meus pósteros dias, não serei tão permissivo, ao ponto de assistir à trágica derrocada das valiosas oportunidades de professar incondicionalmente o meu livre arbítrio. Sem mais sustentações à minha inócua e estática postura em acatar qualquer determinação oriunda de um proselitismo familiar, social, ideológico, político e/ou religioso. Novas estrelas e cometas configurarão o meu céu tão turvo e insignificante. Eu obedecerei apenas à minha própria ordem: a identidade imaculada.

Não deixarei aberturas para que as minhas fraquezas me façam tornar um animal solitário e noturno, estampando o medo em sua forma desesperadamente agressiva e reticente. Nos porões internos de minha diligência, haverá um movimento progressivo e constante a favor do meu restabelecimento moral, ofuscando cada reminiscência que tenha me presenteado com constrangimentos que dissecavam as minhas estruturas e esfacelavam as minhas bases de confiança. Me pouparei de cada conselho vago e impertinente, proferido por aqueles que vestem a embalagem de “pessoas normais”. Ser normal é se distanciar do centro da felicidade, da liberdade e da consagração colossal da vida. Não desperdiçarei o meu tempo com sermões de tristes insanos disfarçados de cidadãos pacatos. Percorra as estradas com esse tipo de sinalização guiando a sua viagem e você terá uma bagagem de retorno cujo significado se tornará um vácuo que perdurará até a luz da sua consciência avisar-lhe da importância do ofício de repor as suas forças e dispor delas para a sua devida função: a de desenhar os sinais que irão constituir a sua trajetória do pensar. Abrir mão do prazer supostamente escondido é assinar o seu próprio atestado de covardia.

Aos meus caros detratores, a minha singela reverência. As argumentações, ou melhor, o arsenal de argumentações que sempre procuram verter para o meu lado obscuro, que acaba fornecendo munições para as valiosas tentativas de me destrinchar a honra nunca produzirá o efeito esperado, agora que eu me despertei para a peleja. Ainda mais quando eu me certifico que eles se escondem sobre a cortina de dados sigilosos à distância, que sacramenta a imunidade que salva os fracos sem opiniões construtivas de sentirem o vigor tempestuoso das minhas virtudes. Eu me sentiria imensuravelmente grato se eles tivessem a singela dignidade de se revelarem destemidamente de corpo presente, para receber o veneno que a mim for lançado e digeri-lo, sem duvidar da natureza que forja o sabor amargo. Segundos após sentir esse gosto hostil, eu interpretarei o golpe como uma ardorosa benção, que decretará a minha necessidade de adotar a minha obstinação como terceiro sobrenome e, enfim, deixar de reconhecer qualquer irmão que queira me vilipendiar com todos os implacáveis artifícios como inimigo da minha honra. Eles serão os meus estimados cúmplices com os quais eu os retribuirei com um memorável brinde à generosidade humana. Eu estou aprendendo no ritmo dos dias, que a paciência pode ser o maior dos tesouros formidáveis que nos foi presenteado desde os nossos tempos de berço e que só valorizamos esse nobre achado quando se passaram inúmeras chances de honrar esse tesouro. Agora que ele foi descoberto, irei usufruí-lo como necessário. Não será uma resposta, mas será uma eloqüente lembrança em que a verdade se revelará como a intempérie que desmontará tudo o que não corresponde aos ideais de um humilde mortal.

Traumas são adversários íntimos que sempre me acompanharão enquanto eu viver nessa gaiola aberta. Traumas foram feitos para se consolidarem como pretexto para algumas piadas que serão contadas aos que integram o meu círculo amistoso, que compreenderão o que eu aprendi de uma forma que o riso conseqüente emoldure essas lições em nossas memórias, transformando cinzas em áureas sementes que germinarão à luz da liberdade, do perdão, da compreensão, do renovado senso comum que se alinhará com a sinceridade e o respeito alheio. Quem sabe essas sementes se sustentarão também sob as mãos misericordiosas do amor, em seu mais incomensurável e genuíno estado. Conciliando o redentor equilíbrio com a forçosa insanidade, derrubarei cada obstáculo imposto por qualquer adepto fervoroso da hipocrisia, da débil maledicência e, enfim, me consagrarei inteiro, justo, ciente de todas as minhas vulnerabilidades, mas convicto de que os meus bons valores sobrevivem aos tocos espalhados no meu caminho. Porque, ser fiel aos meus princípios é a minha lei. Só mudo quando a velocidade dos dias me impor o que for construtivo para a minha biblioteca interna e, ao mesmo tempo, o âmago da minha essência permanecer intacto.

A identidade é um conjunto de pensamentos, ideais, gostos, medos, virtudes, fraquezas, opiniões e verdades que, são a lógica ordinária se consistem em contradições. Mas a natureza humana agrega todos esses elementos com caprichos de alquimia pura e que se resulta na mais idônea e vigorosa autenticidade. Prefiro ser uma multiplicidade coesa do que uma unidade perdida.

Diego Pedra
Enviado por Diego Pedra em 27/06/2012
Código do texto: T3748507