NEM ERA NOITE DE NATAL
Maria Tomasia
As três crianças, duas meninas e um menino, pediram um presente de Natal quando nem era Natal. O garoto pediu um carrinho de madeira; uma das meninas, a mais nova, pediu uma fita cor de rosa para enfeitar o seu cabelo louro com um laço de cada lado e a outra, um vidro de esmalte cor de rosa - existente até hoje, o natural da Colorama.
Com o passar dos dias, mais ansiosos ficavam.
A mãe daquelas três crianças já iniciara os preparativos para a comemoração, curtindo doces dos mais variados: de figo, de laranja, de cidra, de mamão maduro, a muraba apreciada pelos libaneses e outros tantos. Os amargos eram diariamente fervidos para que o amargor saísse e os demais eram curtidos ao sol, envolvidos com açúcar cristalizado, em tabuleiros enormes, até sua secagem.
O forno do fogão a lenha era constantemente abastecido com achas de lenha, para que se mantivesse sempre quente.
Os suspiros eram assados e, nas compoteiras, colocados os doces em calda - côco com gema, leite, baba de moça, ambrosia, etc.
Matava-se o porco caturra que vinha sendo engordado há alguns meses e sua carne era parte assada e armazenada em latões com torresmo e banha e parte moída para a famosa linguiça pura de porco, temperada com as especiarias apreciadas pelo povo daquela região, não faltando a salsinha, cebolinha e um toque de pimenta malagueta, curtida na fumaça que saía do fogão a lenha.
Era grande a movimentação durante todo o mês de dezembro e aquelas crianças não pensavam em outra coisa que não fosse os presentes que haviam pedido e que eram do conhecimento dos pais e dos amiguinhos.
Finalmente chegara o dia 24. Até o apetite, sempre voraz, desaparecia, tal a ansiedade delas.
Naquela localidade não havia ceia na véspera, mas, no dia 25, o almoço tinha tudo o que havia do bom e do melhor, nada faltando.
Na véspera do Natal, as três crianças eufóricas, assim que anoitecia, colocavam os seus velhos e surrados chinelos atrás da porta, porque não tinham sapatos.
Iam dormir, mas, cadê o sono? Não vinha, porque a euforia não permitia.
Assim que amanhecia o dia 25, todas as crianças saíam à rua para brincar e o barulho dos carrinhos chamava a atenção.
Aquelas três crianças acordavam da noite mal dormida e corriam até a porta para procurar os presentes sobre os seus chinelos, para que pudessem exibi-los para os amiguinhos. Mas os chinelos estavam vazios, no mesmo lugar, sem coisa alguma sobre eles.
Tristes, sentavam-se à soleira da porta da sala e ficavam olhando os seus amiguinhos brincarem.
Nunca houve presentes de Natal para aquelas três crianças: o menino fabricava os seus carrinhos com caixas de sapatos ou madeira que ganhava; a menina mais velha, jamais conseguiu o seu vidro de esmalte cor de rosa e a outra menina morreu. Para ser sepultada, finalmente, teve enfeitados os seus cabelos louros com os dois laçarotes de fita cor de rosa, um de cada lado.
Como essas crianças, ainda existem muitas outras... mas quem se importa?
Ninguém!
RJ, 27/06/12