pacientes

Um desconhecido se senta ao meu lado na sala de espera do laboratório de análises clínicas. Não diz nada. Também não digo nada. Somos apenas eu e ele. Pacientes, ambos.

Na sala fria, pacientemente, esperamos que um de nós diga um

bom-dia, ou pergunte como anda aquela dor na coluna, aquela hérnia que volta e meia reaparece em volta de lua. Um aperto de mão, esperamos, e notícias de amigos comuns que talvez possam nos haver.

De mim, pacientemente, espero que ele me diga o que foi daquela cicatriz que ele ostenta no lado esquerdo da face. E ele talvez se corroa de curiosidade em me saber desse amarelo nos olhos.

Pacientemente, olhamos para o chão. E penso em dizer das horas, em adorar o tempo, bendizer o frio e clamar a Deus que abençoe cada gesto e intenção daquele desconhecido que se senta ao lado meu.

Ele talvez queira benquerer a todos seus iguais e me dizer que sente e sofre por isso, mas tenta e tenta e pode um dia ainda ser feliz.

Mas nenhum de nós diz nada e a enfermeira se nos apresenta e chama meu nome.

Ergo-me e digo apenas "é minha vez". Meio como um sussurro, um pedido de desculpas. Ele, por sua vez, perdoa-me e me abre um sorriso franco, como me sorrisse já de outros tempos, de outras tantas e tantas outras situações e salas frias.

Ele me sorri e eu digo apenas "é minha vez".

Apenas isso.

E quero, sim, ah, como quero, que aquela cicatriz que o desconhecido me apresenta seja apenas uma lembrança, uma marca já extinta que o tempo apenas se esqueceu de apagar; enquanto ele talvez clame a Deus que esses meus olhos amarelos sejam apenas sóis. Apenas sóis.

Deve ter sido assim.

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 27/06/2012
Reeditado em 27/06/2012
Código do texto: T3747457