pacientes
Um desconhecido se senta ao meu lado na sala de espera do laboratório de análises clínicas. Não diz nada. Também não digo nada. Somos apenas eu e ele. Pacientes, ambos.
Na sala fria, pacientemente, esperamos que um de nós diga um
bom-dia, ou pergunte como anda aquela dor na coluna, aquela hérnia que volta e meia reaparece em volta de lua. Um aperto de mão, esperamos, e notícias de amigos comuns que talvez possam nos haver.
De mim, pacientemente, espero que ele me diga o que foi daquela cicatriz que ele ostenta no lado esquerdo da face. E ele talvez se corroa de curiosidade em me saber desse amarelo nos olhos.
Pacientemente, olhamos para o chão. E penso em dizer das horas, em adorar o tempo, bendizer o frio e clamar a Deus que abençoe cada gesto e intenção daquele desconhecido que se senta ao lado meu.
Ele talvez queira benquerer a todos seus iguais e me dizer que sente e sofre por isso, mas tenta e tenta e pode um dia ainda ser feliz.
Mas nenhum de nós diz nada e a enfermeira se nos apresenta e chama meu nome.
Ergo-me e digo apenas "é minha vez". Meio como um sussurro, um pedido de desculpas. Ele, por sua vez, perdoa-me e me abre um sorriso franco, como me sorrisse já de outros tempos, de outras tantas e tantas outras situações e salas frias.
Ele me sorri e eu digo apenas "é minha vez".
Apenas isso.
E quero, sim, ah, como quero, que aquela cicatriz que o desconhecido me apresenta seja apenas uma lembrança, uma marca já extinta que o tempo apenas se esqueceu de apagar; enquanto ele talvez clame a Deus que esses meus olhos amarelos sejam apenas sóis. Apenas sóis.
Deve ter sido assim.