Café com Cerveja
De manhã cedo, tomava café com cerveja, meu divertimento predileto, no bar da esquina da rua em que moro, em Queimados. Foi o que sobrou pra mim, ou o que o meu curso de Sociologia permitiu com as aulas que ministro numa faculdade em Bangu: alugar uma casinha em Queimados.
De repente me entra um cara com algumas bolsas e uma mochila às costas. Barba por fazer, o rosto parecendo mal lavado, cabelos meio despenteados. Um tipo que a gente podia chamar de sarará. Sentou-se numa mesa próxima à minha. Na verdade no bar havia apenas três mesas.
- Dia bom pro trabalho, não é, parceiro?
- É isso aí. Depende da disposição, falei olhando a chuva que começava a ficar mais forte.
- Bom pra mim, que trabalho na praia, retrucou o cara com um sorriso irônico. Sou vendedor ambulante. Parei aqui pra tomar uma média.
Apesar da mal aparência, ele era simpático. Isso é coisa que a gente acha que percebe à primeira vista.
- Senta aqui então. E, se não se importar, deixe a média comigo.
- Obrigado, parceiro.
O cara trouxe a xícara e o pão pra minha mesa. Continuei:
- Dou aulas em Bangu.
- Legal, disse ele, sentando-se sem dar muita bola pro meu café com cerveja. O que você acabou de fazer foi uma ajuda. Agradeço de novo. A propósito da ajuda, continuou ele, assumindo agora um ar meio didático, não tem nada a ver, mas você concorda que muitas vezes a ajuda que vem do Ocidente ou do Norte, oferecida por nações desenvolvidas, sobretudo a ajuda militar, não se relaciona às reais necessidades dos países menos poderosos?
Não vou negar que me surpreendi com a pergunta. Mas isso somente me fez ficar mais interessado. E ele prosseguiu:
- Na verdade o que essa ajuda objetiva é o favorecimento de operações no campo dos negócios que sempre envolvem a violência estatal destinada à eliminação de sindicalistas, dissidentes políticos e intelectuais, padres que trabalham entre os pobres, etc.
Quando ele terminou, fiquei olhando-o sem nada dizer por uns três minutos. No fim desse tempo, possivelmente meio desconcertado, me desculpei, paguei a conta e lhe disse que precisava ir ou iria chegar atrasado na faculdade.
- Valeu, parceiro. Com esse tempo, acho que vou ficar por aqui, ouvi-o dizer quando já alcançava a porta do botequim.
No caminho, depois de uma indelicadeza com a calçada após um cuspe no chão, fiquei pensando no que havia aprendido no Curso de Sociologia que eu tinha feito na USP.
Rio, 27/06/2012