Carta de Amor
A literatura sempre fez parte de mim. Eu nunca escolhi me tornar um escritor ou um poeta. Eu sempre fui um escritor e um poeta.
Desde o jardim da infância com os rabiscos em forma de coração para a garotinha loira que não me recordo o nome, passando pela minha alfabetização e com ela declarações lânguidas e românticas às musas inspiradoras de minha infância.
A leitura era a forma de ter companhia durante minha solitária primeira idade. Por ser o único menino da casa e minha mãe super protetora a maior parte do tempo eu ficava dentro do quarto. Escrever foi a forma de responder. Meu diálogo comigo mesmo. Era tímido demais. Por isso não atendia ao telefone. Preferia uma caneta e um caderno. Eles me compreendiam e sempre aceitavam o que tinha a falar. Quando mostrava a minha mãe o resultado de horas labutando com a tinta e com a folha ela sempre dizia:
- Nossa, que romântico filho.
- Gostou?
- Gostei. Parabéns!
Ela me beijava e eu voltava faceiro. Aquela pequena expressão compensava todo o esforço e concentração. O "romântico" me ouriçava todo. Sentia-me o maior conquistador. O melhor escritor de cartas de amor.
Depois da minha mãe, a primeira a receber meus galanteios foi uma aluna de outra escola. Minha professora de língua portuguesa da quinta série além de dar aula para nós, também lecionava em um colégio particular. Ela propôs um trabalho de integração. A minha turma – composta quase toda de repetentes, apenas eu e mais alguns se safavam – e uma 6ª série da tal escola trocariam cartas contando um pouco da vida de cada. Ela distribuiu os nomes e em meio a reclamações me alegrei. Escreveria para uma menina.
Aquela, realmente, foi uma excelente carta. Fui engraçado, dinâmico e romântico. Deixei um ar de mistério e despertei seu lado materno com as dificuldades que contei que passava. Eu a ganharia. Sabia disso. Tinha certeza. Quando a resposta veio, a confirmação: ela estava apaixonada. Papel com florzinhas, tinha escrito com aquelas canetas gel com cheiro de frutas, estava perfumada e ainda me enviou um bombom. Causei inveja.
Depois disso nunca mais falei com ela. Não soube nada mais além do que constava na carta. Uma pena. Bem que ela poderia ter sido minha primeira namorada. Desta experiência trago duas marcas. A primeira é a queda que tenho por mulheres mais velhas e com classe – afinal, ela estava na sexta e eu na quinta e ainda estudava em colégio particular. A segunda é o valor que dou as cartas de amor.
Não me acho um sedutor. Nem tampouco um conquistador. Nunca tive sucesso com investidas em festas ou em primeiros encontros. Não que me aproximar seja o problema, mas agir desta forma gera repúdio. Meu romantismo não permite o instantâneo.
Sou a moda antiga. Valorizo o olhar. Ele diz muito de você sem precisar falar nada. Um diálogo entre retinas sempre foi minha forma preferida de introduzir uma conversa.
Forçar o toque. Para quê? Tentar um beijo. Por quê? Seria mais um objeto passado em minhas mãos e não uma alma se unindo a minha. Não tenho pressa. Não quero apenas seu corpo. Quero seu coração. Suas emoções. Seu sentimento entregue é o que valorizo.
Desejo intimidade. Meu amor não está nos presentes, mas na minha atenção ao seu assunto. Prefiro não tirar sua roupa sem antes sacar da mala suas lembranças da infância. Não planejo nossa primeira noite sem antes arquitetar nosso futuro.
Bato em sua porta com rosas e trufas vindas de Gramado. Levo-a para comer sushi e assistir a um filme autoral repleto de drama e humor inteligente. Confio nela e entrego minha essência. Dou a ela uma carta de amor.
Não foram muitas cartas de amor que entreguei. Escrevi várias, muitíssimas. Poucas, quase nenhuma chegou a seu destino.
Cartas de amor são transposições de suas idealizações. São traduções de seus sentimentos. São psicografias de seu inconsciente. São criptografias do presente que você vive.
Desejo o dia que poderei entregar uma carta de amor sem sentir o peso da dúvida, da crítica. O dia da liberdade. Onde não será mais apenas eu, a caneta e o papel que saberão minhas confissões.
As expressões de afeto hoje são publicitárias. Com a instalação dos sites de relacionamento e com a forte integração digital o romantismo congelou. Ninguém expressa amores online, e quando confessa soa hipócrita. A intimidade sendo exposta para bilhões defasa a singeleza e o secreto de uma carta.
Escrever uma carta já é algo considerado antiquado. Se for de amor mais ainda. O amor se tornou antiquado. Ninguém mais quer sofrer. Mas não há genuíno amor sem dor. Preferem a paixão. Não que estar apaixonado seja ruim. Não é isso. Só que paixão é momento, amor é para sempre. Paixão é carne, amor é alma. Paixão é ter, amor é dar.
Entregar uma carta de amor é muito mais que entregar um pedaço de papel. É o mesmo que entregar seu coração. O problema é quando a carta é rasgada e jogada no lixo.
Sou um tolo. Eu sei. Um verdadeiro idiota. Um maluco. Um ridículo. É verdade. Concordo plenamente com Fernando Pessoa: "Todas as cartas de amor são ridículas. (...) Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas."