Misto-Quente
Já o conhecia de ouvir falar. Resenhas e avaliações de livros que lia sempre constava o nome dele como forte influência. O encontrei por acaso quando procurava uma obra para adquirir com os pontos do cartão de fidelidade da livraria que frequento. A breve sinopse na contracapa prendeu minha atenção e a frase de destaque em vermelho arrebatou minha emoção. Na sequência o estava cumprimentando com os olhos na feroz leitura instantânea. Sua resposta venho com um soco na boca do estômago.
Seu nome? Charles Bukowski. O que havia em minhas mãos? Um Misto-Quente.
Na verdade estava mais para um pão com mortadela devido ao cenário ao qual a história se desenvolve. Los Angeles após a recessão de 1929, além de pobre, o protagonista do romance ainda era de origem alemã. Combinação perfeita para encarar a dura vida da época.
"Vida dura" é a expressão perfeita para sintetizar o conteúdo trazido por Bukowski. Levemente biográfico, o romance caracteriza as faces da sociedade de uma forma pessimista, mas realista.
Não espere superação, nem ao menos realização. Não crie expectativa em sucesso para o personagem, ou emoção com a mensagem. E de forma alguma, de jeito maneira, idealize algum tipo de transcendência por parte do autor.
Prepare-se para a frustração. É a partir deste tema que Bukowski articula toda a reflexão abordada no livro. A história de um homem, com atitudes de homem, perspectivas de homem e com uma certeza pouco comum a um homem. A que ele era um homem.
Simplesmente homem.
A literatura é uma forte arma que pode ser usada tanto para divinizar o ser humano, quanto para animalizá-lo. Bukowski soube equilibrar as coisas. Apesar de descrença e frustração com que a obra é trabalhada, seus personagens são ricamente desenvolvidos com características humanas.
Os personagens de Bukowski eram homens.
Há quase dois mil anos andou sobre a terra alguém que mudou a história da humanidade. A dividiu entre antes e depois dele. Alguém que propagou os princípios que até hoje regem - na teoria ao menos - a sociedade ocidental, apesar de ele ter vivido no oriente. Alguém que era seguido por uma efervescente multidão em seu auge, e abandonado por todos em seu caos. Alguém que todos chamavam de Filho de Deus.
Este era Jesus. O filho do carpinteiro e da desonrada que engravidara antes do matrimônio.
Por três anos Jesus realizou peripécias por todo Israel. Levando reis e autoridades à loucura com a fama que conquistara. Doentes curadas, alucinados amansados, alimentos multiplicados, mortos ressurretos e paz para os oprimidos. Como Roma subjugava toda a região, muitos eram oprimidos e muitos encontraram descanso nas palavras de Jesus.
Foi considerado Deus pelos discípulos e chamado de enganador e difamador pelos sacerdotes, representantes espirituais do judaísmo da época.
Alcançara um prestígio que todos gostariam de ter. Era perseguido, exprimido, vigiado, desejado por todos. Por onde passara era o centro das atenções. Mas ao invés de absorver para si tudo o que falavam a seu respeito e tomar o poder como o povo sugeria, ele continuava a jantar na casa dos cobradores de impostos, a conversar com prostitutas, abraçar leprosos e pegar crianças no colo.
Diziam que ele era Deus, mas ele preferia ser um homem. Muitos querem ser como ele, mas apenas desejam o poder de serem filhos de Deus e rejeitam a singeleza de ser filho do homem.
Se ele era Deus vai da fé de cada um. Mas, com toda a certeza, nunca houve um homem como ele.
Agora pegue duas fatias de pão, lambuze um lado de cada fatia com a melhor manteiga que tiver no mercado, coloque uma fatia de queijo em um pão e uma fatia de presunto noutra. Junte-os formando um sanduíche. Deixe-os na prensa o tempo necessário para o queijo derreter. Retire e o coloque em um prato raso. Aguarde uns instantes para cortá-lo em diagonal formando dois triângulos milimétricos. Sirva um copo até a borda do refrigerante mais gelado que você tiver sente-se junto à mesa e delicie seu maravilhoso misto-quente.
Como ensinou Jesus e como escreveu Bukowski, é um pequeno prazer que apenas um homem sabe desfrutar e valorizar.