Segunda chance

Segunda chance

Tu é doida?! Foram essas palavras que disse para minha pequena sthefany naquele momento de angustia, em seguida dei – lhe um tapa na cabeça com a ponta dos dedos, tentando na medida do possível controlar minha raiva, é claro que ela não as compreendeu. Como poderia? Era só uma garotinha de três anos. De relance, lembro de vê – la chorar, mas ninguém deu atenção, tão desesperador era o momento que todos se voltaram para Matheus que instintivamente lutava para respirar, para viver, ou sobreviver.

Se um dia me perguntarem: - Qual foi sua pior experiência como pai? , com certeza direi que foi ver meu filho, meu único filho agonizando nas garras da morte. - É engraçado, mas a expressão “único filho” me faz lembrar um episódio que aconteceu há muitos anos atrás na História da Humanidade -. Gostaria muito de esquecer tal episódio, não este, mas aquele; e muito mais ainda de deixar de pensar nas possíveis cousas que poderiam ter acontecido caso ele morresse.

Pois bem, vamos aos fatos, foi no domingo, 14/05/2012, aproximadamente as quatorze horas e trinta minutos, enquanto estava eu, agradavelmente acomodado na confortável poltrona de minha cunhada, vendo na TV a cabo o filme “Uma segunda chance”, o inusitado aconteceu.

No momento em que distraidamente minha esposa amamentava o pequeno Matheus, sem que ninguém percebesse, a pequena Sthefany colocou um objeto na boca do bebê. Não demorou muito e a agonia começou; ao tempo em que o menino se estrebuchava a procura de ar, atônitos e sem saber ao certo o que fazer, procurávamos entender o que estava acontecendo, mas não havia muito tempo pra isso, precisávamos agir rápido ou o perderíamos.

Desesperada a Rosa pulava, a Rosa gritava:

- Ôh! Meu Deus do céu! Meu fii vai morrer! Meu Deus! Ôh! Meu Deus!

- Enfim veio o vômito, por um instante achei que tudo iria ficar bem, não ficou. O menino continuou agonizando, com o vômito veio sangue, o objeto não, o desespero aumentou; os gritos também.

- Ôh! Meu Deus! Meu fii vai morrer! Tá ficando roxo! Ôh! Meu Deus!

- Já não dava pra esperar mais, apatetado peguei a chave do carro e saí rumo ao hospital. Agora parecia ser tarde, não demais, só tarde mesmo, mas, ainda era possível, se Deus quisesse. Enquanto dirigia mil pensamentos invadiam minha cabeça. A Rosa gritava:

- Vai ligero! Ah! Cuidado! Ôh! Meu Deus do céu! Meu fii vai morrer! Tá ficando preto! Tá morrendo! Tá morrendo! Ôh! Meu Deus do céu!

– As lágrimas caiam, nosso Matheus se ia. Olhei rápido, pensei rápido, dirigi mais rápido ainda. Os pensamentos continuavam surgindo aos milhões. E agora, o que vou fazer se ele morrer? Não vou conseguir olhar pra sthefany. Vou ter que ir embora, vou culpá – la pelo resto da vida. Não deixe meu filho morrer meu pai! Por favor! Não deixe isso acontecer! Não vou conseguir. Sai da frente! Emergência!

- Ôh meu Deus do céu! Meu fii vai morrer!

- Sopra na boca dele! Matheus reagiu, Chupa no nariz! Isso! Isso! Continua! Vai! Desce que eu vou estacionar.

- Ôh! Meu Deus do céu! Acode meu fii tá morrendo!

- Mais uma vez o vômito. Dizem que após a tempestade vem a calmaria; graças a Deus! Que naquele dia quis assim, pra minha felicidade, ela veio, bem a tempo, com vômito e tudo, que bom! Quando entrei na sala de emergência do hospital, nosso Matheus já respirava bem e estava tranqüilo, como se nada houvesse acontecido. Felizes e agradecidos, despedi mo – nos do médico e enfermeiras e voltamos para casa. Vivos! Todos nós.

Quando entramos no carro, a Rosa limpava – o carinhosamente, como uma vaca lambendo sua cria pela primeira vez; foi aí que junto ao vômito ela encontrou o objeto que quase matara nosso filho. Vi que mais uma vez, como fizera em dezembro de 2011, Deus devolvia a mim, meu filho, meu único filho; mas esta é uma outra história. Sou muito grato a ele por não ter deixado meu filho ir embora naquela tarde, e muito feliz porque, hoje posso olhar para minha pequena Sthefany sem que meu cérebro a culpe por um ato involuntário que quase matou o irmão. Penso que não suportaria conviver mais com minha família, com minha filha.

Fico arrepiado, assustado, me sinto esquisito quando penso nisso, mas entendo que nós humanos, temos a estranha capacidade de achar culpados pra tudo; sei também que essa é só uma maneira que empregamos conscientes ou não, para retirar o peso dos ombros, e aplacar nossa dor.

Afinal, a transferência de culpa é um “talento especial” que herdamos de nossos pais, ancestrais lá do Éden; ainda nos primórdios da História deste planeta, conforme a versão bíblica. O fato é que eu saí daquela sala com a certeza de que acabara de ver, digo, de receber: “Uma segunda chance”. Decerto de ser um pai melhor, um marido melhor, um amigo, um filho, um irmão, um ser humano, melhor.

Wilsomar dos Santos

Wilsomar dos Santos
Enviado por Wilsomar dos Santos em 25/06/2012
Código do texto: T3744167
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