Oráculo
Visto o traje, de gala
Que há tempos habitava, ao fundo
No fim do armário, sem fala.
Um tanto pálido, cinza
Ao invés do preto, prepotente diria
Com nada mais combina.
A camisa não se dá a gola
A gravata não se dá ao nó.
O punho não se dá ao braço.
Havia tanto tempo, que não se viam
Que percebo, se estranham.
Mas ainda assim vou
Creio que nesta festa
Algo, que me seja belo talvez, pode mudar
Dando-me a motivação
Essa, que me falta talvez
Para outro terno comprar
As luzes pelas ruas vão
Todas se acendem, parecem avisar
É chegada a hora de ir
Saio pelos fundos, não quero marcas
no calçado, que me faz a grama molhada
Nem surpresas, com que os cachorros
Costumam por ali deixar.
O carro está limpo, velho, mais limpo
Saio então, ansioso para logo ver-te
Mas não vou, pressinto
O carro decidiu-se enguiçar
A roupa no carro se sujou
O dedo cortado sangra
A chuva para piorar da sinal
Os pingos se dão ao chão
O ex chão, agora lama, empoça.
E vejo que não há muito a ter
Torno então a casa, maldito carro!
Amanhã o mecânico lhe socorre.
Tiro a roupa, jogo-a por sobre a cama
O sapato, conspurcado, na porta deixei
Sento-me na poltrona da sala
Oiço carros na rua a buzinar
Dou-me ao trago e bebo.
Amargura, dores, sentimentos planam
A sala parece rodar, daí então
Me esqueço, e fico, cá.
Com um sofrer, á latejar
Mais uma vez um desejar malogrado
Daquilo que fiz, almejei, não deu.
Só me resta a nódoa, o sujar.
Como sempre, a água não lava
A alma descrente se cala
É, dizem que a vida é amar...