Aquela senhora

Ela era realmente única. Não parecia uma pessoa humana, se assemelhava mais a uma personagem escapada de algum livro. Tudo nela beirava a ostentação e exagero. Queria estar sempre em evidência e procurava todas as formas de se promover. O seu assunto era extremamente difícil de suportar. A estratégia para aturá-lo era procurar ver o lado cômico daquela figura. Assim, descobriam-se muitas formas para se divertir com ela.

Por incrível que pareça, até quando as pessoas riam, ela não era capaz de enxergar o ridículo da situação. Estava tão ensimesmada que acreditava estar arrasando com o seu charme. E esbanjava mais ainda os seus trejeitos.

De tempos em tempos, chamava a sua camareira e pedia-lhe que confirmasse o que ela dizia: “Diga quantas voltas mesmo tem aquela pulseira de ouro que ganhei”. A moça, toda servil, respondia. E ela se voltava para as pessoas com um ar de superioridade: “Ouviram? E é ouro 18 quilates!”. Depois começava a falar do jantar que servira para uma influente pessoa. Falava dos cristais, das baixelas banhadas de prata, das porcelanas finíssimas... Novamente, chamava a camareira uniformizada — dizer que ela estava uniformizada é pouco, ela estava toda engomada — e pobre dela se aparecesse com um amarrotadinho. Tinha que estar impecável. “Quais eram mesmo as iguarias que servimos no jantar do senhor fulano?” Pelo jeito, para trabalhar ali, teria de ter uma memória prodigiosa. Após enumerar todos os pratos — alguns da cozinha francesa — ela se retirava pisando silenciosamente. E ela, numa postura aristocrática, ia conduzindo o seu assunto procurando ter sempre a atenção voltada para si. Era como se as pessoas formassem o palco para ela atuar. Aliás, ninguém se habilitava a falar, pois era quase impossível dar sequência aos seus assuntos incrivelmente fúteis.

Agora ela começa a falar da sua última viagem à Europa. Mostra no dedo um anel e diz que é lembrança de Paris. Conta do castelo de Hamlet e fala de Shakespeare. Nesta hora o seu assunto fica interessante, mas infelizmente durou pouco. Ela se lembra da atriz de um filme que ela encontrou no cabeleireiro. Conta depois que o seu cabeleireiro penteia a Vera Ficher, a Regina Duarte, a Maitê Proença...Recorda que certa vez se encontrou com a Bruna Lombard e, com cara de desdém, diz: “Ela pode ser até bonita, mas é tão baixinha...”

Pouco depois, penetra na sala a sua cadelinha poodle. O seu nome é Grace Kelly. Nome de princesa.... A cachorrinha daquela senhora não poderia ter um nome mais apropriado. Trazia no pescoço uma coleirinha dourada com pedrinhas brilhantes. Caminhava toda esquesitinha com suas canelinhas à mostra. O seu pêlo é rigorosamente aparado, pois ela frequenta o salão todas as semanas. Parece tão frágil que, se der um espirro, pode correr risco de morrer. A camareira a acompanha de olhos atentos. Pobre coitada, ela também não parece um animal de verdade. Será algum animalzinho de ficção?

A governanta chama para um chá. É preferível passar fome que aceitar alguma coisa num lugar daquele. É tanta complicação que fica difícil até saber se ainda é permitido mastigar.

Olhando bem para aquela senhora com os cabelos armados, com o rosto pintado... fica uma pergunta: “Será que para morrer ela vai conseguir perder a pose? Talvez ela encontre uma posição cheia de classe para exalar o derradeiro suspiro. Na verdade, até para morrer se torna difícil com tanta preocupação com a aparência”.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 24/06/2012
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