ORGASMO DO JOU DU MOULIN
Você já foi acometido de orgasmo jogando trilha? Se a sua resposta for não, com certeza não viveu, não adentrou por lindos momentos na vida; simplesmente está passando em brancas nuvens por este mundo. Tenho dó de você!
Eu joguei muita trilha e meu prazer, fazendo isto, chegou ao alto grau de excitação..
Outro dia perambulando por aí dei de cara com um tabuleiro velho de trilha, ou como se diz em francês: jou du moulin. Era em papelão, mas já com seus cantos carcomidos e suas linhas esmaecidas. Por certo foi muito usado, e tem muitas histórias incrustadas nele. Estava jogado tristemente a um conto da calçada. Peguei-o com cuidado, e assim, em minhas mãos, olhando-o demoradamente, remexeu em mim as boas e doces recordações.
Sentei-me a um canto, na calçada, nem sei se de cansado ou hipnotizado pelo achado, mas só sei que meu olhar, num passe de mágica, atravessou o tabuleiro velho de trilha, e foi morar feliz, lá distante, no meu tempo de meninice. Fui parar em outra dimensão.
Lá estava eu, moleque, ao lado de minha mãe sempre linda e sorridente como era do feitio dela.
Minha mãe era especial. Ela era mestre em estratégia educacional para pirralhos lampinhos. Sabia, como ninguém, com maestria manter a petizada reunida a sua volta.
A cena era linda!
Chamou cada um para as lições de casa enquanto tricotava uma peça qualquer dizendo:
- Quem terminar primeiro vai jogar uma partida de trilha comigo.
Jogar trilha com minha mãe era a coisa mais importante, o clímax da alegria para mim e para minha irmã, e eu sempre terminava primeiro. Minha irmã me ajudava no jogo, e depois eu ajudava a minha irmã para tentar vencer a grande mestra da trilha. A luta era inglória, mas a alegria de estar jogando com ela era o que de melhor a gente tinha e usufruía.
Enquanto eu fazia a tarefa escolar olhava às vezes para minha mãe a um canto tricotando, e outras para o jogo que me aguardava.
O tabuleiro de trilha, riscado com capricho pela minha mãe, estava a postos na mesa com os nove grãos de feijão e de milho esperando pelo grande embate.
Eu acho que o tabuleiro se divertia, porque sabia que, por mais que eu ou minha irmã se esforçasse, a grande vencedora seria sempre ela, a polaca linda dos olhos azuis.
A gente também sabia que ela poderia ganhar rapidamente, mas amorosamente sempre simulava uma dificuldade, ou colocava de propósito uma pedra em local errado só para a peleja ser mais excitante para nós. Algumas vezes ela perdia, e mesmo sabendo que era de mentira a gente feliz ia dormir.
Lá estou eu jogando e vendo minha mãe toda contente por poder estar junto com seus filhos passando conselhos, contando histórias e se divertindo tal qual uma menina.
Eu tenho certeza de que, se a trilha fosse um jogo oficial das olimpíadas, a minha mãezinha seria sempre a campeã indiscutivelmente.
Parece que estou ouvindo-a dizer quando nos via perder a paciência em jogo:
- Meus filhos, o jogo é tal qual a vida; nós temos que ter conhecimento, paciência e persistência nas coisas que fazemos.
E ela continuava:
- As habilidades, com o passar do tempo, nos dão a competência de ser alguém de sucesso, de fazer acontecer às coisas que almejamos, de jogar bem para vencer ou reconhecer na derrota a competência do outro, para assim melhorar sempre e sempre. Tudo depende exclusivamente de nossa vontade, do nosso querer, de nossa aceitação.
O sorriso dela para nós foi sempre como uma benção divina.
Vejo-me neste instante jogando com ela, mas...
Alguém bate no meu ombro pedindo uma esmola e me trás de volta à realidade.
Olhei para ele, quis ficar bravo, mas me contive.
Dei a ele a coisa mais preciosa que tinha na mão.
Ele pegou o tabuleiro de trilha, olhou com ar de recriminação e dizendo impropérios pinchou-o no chão.
Incrédulo pelo ultraje que cometia aquela pobre alma eu pensei:
- Por certo este cara nunca teve orgasmos jogando trilha com a mãe dele.