Nem traques
          nem canjica



     Eis que estou mergulhado no monacal silêncio do meu gabinete; bem longe do foguetório são-joanino!
      A Pituba, nunca vi o meu querido bairro tão silencioso e sem ninguém na rua. Como dizia minha vó, não há "vivalma" caminhando pela noite deste são-joão molhado. Sim, porque chove, desde as primeiras horas do dia.
     Agora mesmo, cai um toró daqueles de fazer sangrar os maltratados canais que cortam Salvador, neste momento uma cidade arrasada; literalmente abandonada pelos seus governantes. Está de fazer dó!
          ***
     Mas o meu são-joão não foi sempre assim, ou seja, mergulhado no mais estranho silêncio; entre quatro paredes; sem traques e sem canjica.
     Primeiro, eu menino. Minha mãe, na noite do nascimento do Precursor, preparava uma mesa com todos os quitutes do são-joão: licores de vários sabores, canjica, pamonha, bolos, milho verde cozido e milho verde assado na fogueira armada no terreiro da casa. Isso até em tempos de seca. 
     Que me lembre, nem as secas mais brabas tiravam da gente as guloseimas joaninas. Meu pai sempre arranjava algumas espigas de milho verde, garantido pelo menos a pamonha e a canjica dos seus oito "fios".
       Traques de massa, estrelinhas, busca-pés e outros fogos de vista inofensivos ajudavam a clarear a noite de São João, no meu sertão cearense.
     Balõesinhos de duas ou três cores apareciam. Enfeitavam o céu, e desapareciam no coração da caatinga.
     Dizia-se que os balões levavam bilhetinhos pra São José pedindo chuva. Acreditava-se que o padroeiro do Ceará tinha muito prestígio lá por cima. Afinal, ele era o pai adotivo (!) do Filho do Homem. 
     O certo, entretanto, é que nem sempre o Carpinteiro de Nazaré atende as súplicas dos cearenses! 
     Depois veio a fase do forrozeiro. Podia até nem dançar, mas não perdia um forró, quando convidado, e, às vezes, sem ser convidado. Bons tempos, levados pelo tempo...
          ***
     Passo pelo meu pequeno bar, ao lado de minha mesa de trabalho, e descubro uma garrafa de licor de jenipapo feito pelas freirinhas do Convento do Desterro, cá, em Salvador. Uma delícia! 
     Pego num cálice. Mas, antes de tomar o primeiro gole, pergunto, angustiado: e a diabetes?
     Mando a diabetes pros infernos e bebo o meu jinipapo, dando vivas a São João.    E continuo escrevendo.
          ***
     De repente me lembro que a TV Globo está prestigiando o são-joão do nordeste. 
     Ligo a televisão. E dou de cara com a Elba Ramalho e o Dominguinho cantando Gonzaga, no ano do seu centenário.
     Prometo escrever sobre o centenário do Rei do Baião. Mas só o farei na festa de Santa Luzia, 13 de dezembro, data do nascimento do sanfoneiro de Meu pé de Serra.
     Estou adorando o programa! 
     Re-encontro o meu nordeste nos palcos do Ceará, da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoas e de Sergipe. 
     Para terminar, diria que só troco este movimentado forró nordestino pela novela Gabriela. 
     Siiiimmm!!!! Nada como, nos fins de noite, levar pra cama o sorriso e os trejeitos dengosos de Juliana Paes, a nova Gabriela...
     


        
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 24/06/2012
Reeditado em 08/12/2020
Código do texto: T3741652
Classificação de conteúdo: seguro