Amor egoísta e o necessário olhar interior

Vivemos relações em que dizemos tudo o que queremos, mas não queremos ouvir o que os outros têm a nos dizer. Queremos que o outro mude para nos agradar, mas sequer passa pela nossa cabeça a idéia de que quem precisa melhorar somos nós mesmos. Porque já que somos incapazes de amar o outro pelo que ele é, os errados somos nós. Exigimos presença, atenção, amor, em uma relação egoísta em que NÓS precisamos estar satisfeitos.

Esquecemos que o amor verdadeiro constrói, aceita o outro exatamente do jeito que ele é, com suas virtudes e seus defeitos, porque é isso que torna as pessoas especiais, sua individualidade. É isso que faz com que queiramos estar com elas.

Esquecemos que o verdadeiro amor só quer o bem do outro, só quer que o outro seja feliz. Porque a felicidade dele é a nossa. Mesmo que escolha um caminho que não escolheríamos para nós, ou que achemos errado ou até perigoso. Porque cada um sabe o que é melhor para si. E se não sabe, tem o direito de aprender. E neste aprendizado, tentar, errar, acertar, cair, levantar, ir ao fundo do poço e começar novamente. Ou seja, viver. Viver as próprias escolhas e as consequências delas. Amar verdadeiramente é respeitar escolhas. Mesmo que a escolha do ser amado seja nos retirar de suas vidas. Sofreremos a distância, a ausência, a falta de notícias. Mas houve uma escolha, então deve haver respeito a ela. Porque é respeito ao ser amado.

Às vezes passamos a vida preferindo não ouvir o que as pessoas que amamos nos dizem, porque vivemos acomodados com as escolhas que fizemos, mesmo que não nos deixem felizes. Passamos uma vida reclamando dela, dos outros, de como as coisas à nossa volta se dão, mas nada fazemos para mudar. Sempre temos desculpas a dar quando confrontados com esta realidade, de que nos tornamos ou estamos nos tornando pessoas desagradáveis. Se as desculpas acabam, inventamos outras, colocamos a culpa nos outros e nos livramos de pensar das mudanças que temos que fazer em nós mesmos. Não é fácil mudar, adquirir novos hábitos, novos padrões de pensamento, atitudes positivas. Somos seres em transformação constante. Prova disso são nossas células sempre se reproduzindo. Há algo dentro de nós em mudança ininterrupta. Porque não podemos estender estas transformações também a nossos pensamentos e atitudes?

Quando não mudamos, ou nos recusamos a mudar, acabamos por exigir que o outro nos faça feliz, esquecendo que somos responsáveis pela nossa própria felicidade. Sempre encontramos razão para nossa felicidade nos outros, nunca em nós. E exigimos. Presença, companhia, atitudes, sentimentos. Só esquecemos da coisa mais importante: as pessoas não escolhem sentimentos. Estarão conosco se formos boas companhias, agradáveis, gentis. Se nos tornarmos pessoas melhores. Se tentarmos mudar, evoluir, crescer. Se deixarmos de lado os ranços que vamos adquirindo no caminho.

Amar exigindo, amar cobrando, amar esperando algo em troca, amar desrespeitando limites, escolhas, sentimentos e escolhas alheios. Isso não é amor, é egoísmo. Se perdemos alguém que tanto dizemos amar, se nos recusamos a pensar nas razões do abandono, mesmo que elas tenham sido ditas, se recusamos aceitar nossos erros, se recusamos a atender os pedidos de distanciamento, do tempo para pensar, estamos nos recusando a olhar o outro. Olhamos somente para nós, nossos quereres, nossos sentimentos, para o que nós achamos que é melhor e não para o que o outro acha melhor para si. Passamos rastejando por atenção, implorando por amor. Onde está o amor a si mesmo? Quem não ama a si mesmo não consegue amar ninguém. Porque quando o alardeado amor for posto à prova, ele não estará lá. Mesmo que a prova seja simplesmente um abraço apertado, um dizer 'estou a teu lado para o que for, mesmo não sabendo o que fazer', um aperto de mão daqueles que nos faz sentir queridos. Se gestos de carinho ou amor não vêm, o que vem é o egoísmo. Então o que se sentia não era realmente amor. Era apenas uma ilusão disso.

Às vezes o distanciamento é um remédio amargo, imposto por quem nos ama, para que a dor da distância nos faça enxergar o que tanto recusamos a ver. Nos dá a oportunidade do ajuste interno de contas, do lidar com nossos medos e nossos fantasmas. De perdoarmos a nós mesmos pelos erros que nossa consciência acusa. De uma vez por todas tomarmos coragem de promover em nós o abandono de velhos hábitos nocivos e as mudanças que só trarão melhorias. E de aprendermos o real sentido do amor. E se ao invés de mudar a forma como enxergamos as coisas, perdendo a grande oportunidade de aprendizado que a vida nos dá, mantemos nosso velho padrão de sentimentos, nos vitimizando, justificamos o distanciamento do ser amado. Porque nada mais dolorido para quem ama ver o ser amado se destruindo, sabendo que sua presença é usada como bengala e não como estímulo ao crescimento. Se a presença e o amor não são capazes de promover a mudança, talvez a vida e a dor o sejam.

Edinise
Enviado por Edinise em 23/06/2012
Reeditado em 24/06/2012
Código do texto: T3741073
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.