OUTRA VEZ A SECA.
OUTRA VEZ A SECA.
GUEL BRASIL.
Lá fora o sol é escaldante; aqui, protegido pelas palhas de Ouricuri que cobrem a paiada, ouço a orquestra das cigarras como se esta fosse a última de suas apresentações. E mesmo não tendo chovido já há mais de dois anos, percebo que nas veredas do sertão ainda tem vida, muita vida.
O estalar da vagem do mulungu se abrindo e jogando suas sementes no pó da terra, a trilha deixada pelo rato-coandu em busca de comida e o tilintar dos guizos pendurados no pescoço dos caprinos, procurando folhas verdes de velame para lhes matar a fome; no coxo colocado ao pé do umbuzeiro um pouco d’água, só um pouco, o tanto certo que por hoje vai matar a sede dos poucos animais resistentes à grande seca que ainda temos.
Eu posso dizer que também sou resistente e acima de tudo um
flagelado; não temos mais água, a comida já está faltando em nossas mesas, já perdemos mais da metade de nossa criação, e o restante que tá de pé tá só coro e osso, e nós já não sabemos mais o que fazer; não temo a quem pedir, ninguém nos acode, e às vezes fico pensando que até Deus se esqueceu de nós. Tenho medo de me transformar em retirante e não sei até quando vou aguentar esse fla-gelo;flagelo que nunca se acaba.