NOVO COROINHA

O NOVO COROINHA

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

Quando meus pais me viram mais crescidinho e já sabendo ler, quiseram que eu aprendesse a ajudar a missa, pra que não fosse mais preciso buscar um coroinha de Armazém a cada visita do vigário à capela do lugar. A ideia cativou-me, pois iria usar aquelas roupas bonitas que de vez em quando era lavada e passada a ferro lá em casa. E, certamente, até ganharia o meu primeiro par de sapatos. Coroinha descalço ficaria até feio.

Naquele tempo as missas eram rezadas todinhas em latim. Papai desencantou um livrinho lá não sei de onde e entregou-me, dizendo que era pra eu decorar todas aquelas rezas estranhas. Páginas e mais páginas do tal livrinho.

Assustado, arregalei os olhos, mas aceitei o desafio sem dizer nada. Não sei quanto tempo depois, quando eu já tinha decorado todo aquele palavreado sem entender patavina, me mandaram pra Armazém, pra que eu aprendesse o desenrolar da cerimônia, ajudando as missas na matriz com os coroinhas de lá. Depois de um mês ou mais hospedado na casa de um casal amigo – Seu João Philippi e Dona Elísia – voltei pra casa um coroinha meia-boca, como se diz hoje, pois os coroinhas de lá não me davam chance de substituí-los. Eu só tinha vez quando o coroinha escalado não aparecia.

Mesmo assim eu virei o coroinha de Bom Jesus e passei a usar aquelas roupas tão cobiçadas. Os sapatos, porém, não vieram. No começo, a saia vermelha era comprida e encobria os pés descalços. Mas eu fui crescendo até que não deu mais de escondê-los.

Mas que coroinha desajeitado eu me mostrei nas primeiras vezes! Por mais que eu prestasse atenção, não conseguia ver ou entender os gestos e sinais que o padre me fazia. Quantas vezes era o celebrante quem passava o missal de um lado pra outro do altar depois do Evangelho ou tinha que me chamar pra servir-lhe vinho e água pro Ofertório. A Consagração se passava sem que eu me movesse do lugar nem tocasse a campainha. Mas com o tempo fui pegando jeito e me tornei um coroinha completo, atento e consciente de minha responsabilidade, talvez pelo maior amadurecimento da fé no valor infinito do ato que eu estava ajudando, no qual eu "fazia as vezes dos anjos", segundo dizia o livrinho de papai e eu acreditava piamente.