Desejo
Queria poder deste mundo despedir-me, mas ainda há quem nele resida e que de mim necessita. A cada noite insone isto preocupa-me um pouco menos, e arrasto mais um pouco meu pé em direção ao abismo, sentindo o temor da queda cada vez menos assustador.
É engraçado, ter em meu peito este desejo suicida, e ainda assim viver com um tremendo pavor do fim; não julgo quem não compreende e diz que meramente busco atenção, mesmo porque acho deveras complicado explicar como algo pode se tornar insuportável ao ponto em que abraçar o desconhecido pareça atraente. O que sinto poderia ser o que sentiria um aracnofóbico ao encarar um fosso, transbordando com caranguejeiras, gordas, lentas e peludas, e saber que atirar-se nele não seria pior do que simplesmente viver. Talvez alguém entenda o quero dizer.
E por mais que não pareça, luto vigorosamente contra esta ânsia, até então tenho um razoável grau de sucesso, até então. Deste modo aproveito que ainda consigo suprimir a necessidade que brota em peito de lançar-me em frente de cada ônibus que vejo passar pela rua, e escrevo sobre isto, para que aqueles que fiquem, quando eu não mais for capaz de combater esta vontade, possam ao menos ter uma ideia de como me sinto.
Cada despertar é, literalmente, doloroso, quando percebo que acordo para viver mais um dia tenho vontade de gritar até que meus pulmões arrebentem, às vezes grito tão alto que não reconheço minha voz; mas até agora nada rebentou-se. As horas de cada Dida arrastam-se tão lentamente quanto as da noite, que normalmente passo em sofrível insônia; a cada dia a vida aprece longe demais.
É por isso, e por muito mais, que vejo na possibilidade do nada, um alívio sem tamanho.