PÉROLAS DA VIDA
A primavera dos meus anos legou algumas pérolas ao inverno do meu tempo. Cada quadra da existência é um estágio correspondente a uma estação da vida. A menos duradoura costuma ser a mais bela. Os “verdes anos” da vida primaveril marcam a década da pueril infância. O verão que a sucede persiste mais tempo no calor que impulsiona a juventude e sua plena capacidade de descoberta, conhecimento e produção. É grande quanto são os sonhos; curto o percurso para alcançá-los, veloz para incontáveis ambições, decisivo para o que se projetou até o meio caminho andado.
Porque noutra etapa do tempo o verão permanece, mas com outra face e corpo, em todo o auge do vigor e amadurecimento. É o outono da vida. Nele, supõe-se a realização profissional, a procriação, entre outras conquistas a quem a elas almeja.
O inverno do meu tempo não chegou. Vivo o momento outonal, metade da vida, em que se vislumbra as “duas pontas da existência”. Passada a primavera dos meus anos, outra espero vivê-la se a vida permitir-me chegar ao inverno do meu tempo.
A primavera me deu flores, que o calor do verão despetalou-as. Mas ainda guardo, de dourados dias, pérolas que na minha alma brilham. Quis ser Demian ou Sidarta, quando li Hermann Hesse; alçar o mesmo voo no ilimitado céu de Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach; almejei o heroísmo de Dom Quixote; a união altruísta dos Três Mosqueteiros, de Dumas. Em sonho, fui O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, contrariando o de Maquiavel. Vi-me na personagem de Fabiano, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos; de um Diadorim de Guimarães Rosa; de um Bentinho de Machado. Amei como Casimiro; sofri como Álvares de Azevedo; desejei como Castro Alves. Senti a repulsa de Augusto dos Anjos, A Náusea de Sartre. Drummondianamente descobri o “vasto mundo” e nele as “pedras no meio do caminho”.
Não sei com que mais cresci ou amadureci. Mas sei do que aprendi e muito mais terei de aprender até o inverno do meu tempo.
Poe mostrou-me O Corvo. Pessoa, a vida plural, na qual também me vejo um Alberto Caeiro, um Álvaro de Campos, um Ricardo Reis. “Multipliquei-me para me sentir". Amei Maiakovski. Entendi o que além da poesia uniu Verlaine a Rimbaud. Não quis ser um Romeu shakespeariano, um amante edipiano, de Sófocles. Todo homem, em alguma estação da vida, sente-se O Amante de Lady Chartterlay. (D.H. Lawrence) Quando não, o Barbosa de Lenita em A Carne (Júlio Ribeiro). Ao niilismo de Nietzsche preferi os Sermões e Prédicas do Padre Antônio Vieira.
Senti na vida A Peste, de Camus. Alguma vez mudei-me à Metamorfose de Kafka e ele enclausurou-me Na Colônia Penal. Ardi com Germinal, de Zola. Deslumbrou-me O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Li a doida incompreendida Clarice. Risquei vários parágrafos dela. Cantei o cancioneiro de Cecília. Com ela aprendi a reinventar-me. E Vinícius ensinou-me a viver “cada vão momento”. Calderon de La Barca lembrou-me de que “a vida é um sonho”. Sei que dela podemos despertar com o Solo de Clarineta, de Veríssimo, ou com a Marcha Fúnebre de Chopin. Espero que numa dessas eu possa ter chegado ao inverno do meu tempo. “Que a terra me seja leve” e seja a minha alma transluzente como A Pérola, de John Steinbeck.
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Esta música é uma raridade. Não tem a ver com o texto, mas eu não resisti.
http://www.youtube.com/watch?v=Oec6fLTNiz4&feature=related
A primavera dos meus anos legou algumas pérolas ao inverno do meu tempo. Cada quadra da existência é um estágio correspondente a uma estação da vida. A menos duradoura costuma ser a mais bela. Os “verdes anos” da vida primaveril marcam a década da pueril infância. O verão que a sucede persiste mais tempo no calor que impulsiona a juventude e sua plena capacidade de descoberta, conhecimento e produção. É grande quanto são os sonhos; curto o percurso para alcançá-los, veloz para incontáveis ambições, decisivo para o que se projetou até o meio caminho andado.
Porque noutra etapa do tempo o verão permanece, mas com outra face e corpo, em todo o auge do vigor e amadurecimento. É o outono da vida. Nele, supõe-se a realização profissional, a procriação, entre outras conquistas a quem a elas almeja.
O inverno do meu tempo não chegou. Vivo o momento outonal, metade da vida, em que se vislumbra as “duas pontas da existência”. Passada a primavera dos meus anos, outra espero vivê-la se a vida permitir-me chegar ao inverno do meu tempo.
A primavera me deu flores, que o calor do verão despetalou-as. Mas ainda guardo, de dourados dias, pérolas que na minha alma brilham. Quis ser Demian ou Sidarta, quando li Hermann Hesse; alçar o mesmo voo no ilimitado céu de Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach; almejei o heroísmo de Dom Quixote; a união altruísta dos Três Mosqueteiros, de Dumas. Em sonho, fui O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, contrariando o de Maquiavel. Vi-me na personagem de Fabiano, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos; de um Diadorim de Guimarães Rosa; de um Bentinho de Machado. Amei como Casimiro; sofri como Álvares de Azevedo; desejei como Castro Alves. Senti a repulsa de Augusto dos Anjos, A Náusea de Sartre. Drummondianamente descobri o “vasto mundo” e nele as “pedras no meio do caminho”.
Não sei com que mais cresci ou amadureci. Mas sei do que aprendi e muito mais terei de aprender até o inverno do meu tempo.
Poe mostrou-me O Corvo. Pessoa, a vida plural, na qual também me vejo um Alberto Caeiro, um Álvaro de Campos, um Ricardo Reis. “Multipliquei-me para me sentir". Amei Maiakovski. Entendi o que além da poesia uniu Verlaine a Rimbaud. Não quis ser um Romeu shakespeariano, um amante edipiano, de Sófocles. Todo homem, em alguma estação da vida, sente-se O Amante de Lady Chartterlay. (D.H. Lawrence) Quando não, o Barbosa de Lenita em A Carne (Júlio Ribeiro). Ao niilismo de Nietzsche preferi os Sermões e Prédicas do Padre Antônio Vieira.
Senti na vida A Peste, de Camus. Alguma vez mudei-me à Metamorfose de Kafka e ele enclausurou-me Na Colônia Penal. Ardi com Germinal, de Zola. Deslumbrou-me O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Li a doida incompreendida Clarice. Risquei vários parágrafos dela. Cantei o cancioneiro de Cecília. Com ela aprendi a reinventar-me. E Vinícius ensinou-me a viver “cada vão momento”. Calderon de La Barca lembrou-me de que “a vida é um sonho”. Sei que dela podemos despertar com o Solo de Clarineta, de Veríssimo, ou com a Marcha Fúnebre de Chopin. Espero que numa dessas eu possa ter chegado ao inverno do meu tempo. “Que a terra me seja leve” e seja a minha alma transluzente como A Pérola, de John Steinbeck.
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Esta música é uma raridade. Não tem a ver com o texto, mas eu não resisti.
http://www.youtube.com/watch?v=Oec6fLTNiz4&feature=related