Vingança Assalariada

Para tudo na vida existem dois lados. O positivo e o negativo. O ônus e o bônus. O Jakyll e o Hyde.

Apreciar literatura, por exemplo, é algo que demanda esforço contínuo. Ilustra perfeitamente estes dois pontos que estão tão afastados e, ao mesmo tempo, tão próximos. O prazer proporcionado pela descoberta dos textos que passam em frente à minhas retinas é asfixiado pelo desgosto de saber o quanto tive que desembolsar para adquiri-lo.

Acabei de ler Bukowsky e amanhã passarei em uma livraria para decidir qual nova obra adotarei. Mais uma apunhalada em minha paz de espírito. Mais uma vez vejo meu suado dinheirinho esvaindo-se em troca de verbos, adjetivos, artigos e substantivos organizados em criativas, profundas e reflexivas frases.

É alto o preço para manter um hábito tão saudável e louvável. Este é o dilema que se apresenta toda vez que tento adquirir conhecimento: a cultura está cada vez mais elitizada e privada à classe alta.

Ouço argumentos sobre o desinteresse das classes intituladas "baixas" em penetrar a esfera literária, satisfazendo-se com literatura puramente comercial. Verdade. Mas como adquirir um material de excelência se o custo que ele representa para o já comprometido orçamento é extremamente agressivo? As prioridades básicas sempre prevalecerão.

O olhar altivo de quem pode para os que não podem sempre me irrita muito. De todas as coisas que podem impactar meu equilíbrio, observar o desdém que a diferença econômica causa me dá náusea. Vertigem e ânsia de vômito também. Ah, e a sensação de um forte dever cívico de estabelecer justiça.

Justiça. É o que grande parte de população não têm direito.

Não me refiro à justiça legislativa, mas sim social. A chance de ser inserido ao mesmo patamar de convívio que aqueles que detêm os recursos. A honradez de ser alvo de olhares de admiração.

Não por nadar em dinheiro, não por ser influente, não por mandar em algo ou alguém, não pela roupa que veste, não pelos amigos que têm, não pelo carro que dirige ou pela faculdade que estuda. Não. Mas ser admirado simplesmente por ser humano. Ter uma natureza tão rica, uma mente tão complexa, emoções tão profundos, reações tão espontâneas. Ser uma vida. Submetida à dores, mas disposta a amar e ser feliz. Não pelo que tem, mas pelo que é.

Talvez esta idealização esteja longe de se concretizar. Ao menos temos a vendetta que se estabeleceu silenciosamente na essência do capitalismo.

Isso tudo que tantos idolatram como sendo partes fundamentais de seu estilo de vida, na verdade são influências daqueles que apenas observam o esnobe consumo.

O que seria?

As marcas.

As marcas que são veneradas pela elite na verdade são ideias concebidas e desenvolvidas pela ralé. Repito para você não ter nenhuma dúvida - e porque gostei de escrever isso, admito. A elite só é o que é por causa da ralé. Não são os pobres que dependem dos ricos, são os ricos que dependem dos pobres.

Você imaginaria que a empresa de veículos exclusivos Rolls Royce foi criada por alguém que viveu no jardim de um dos empregados da fábrica que um dia trabalhou?

Você um dia pensou que as peças de vestuário criadas pela Chanel, ao qual toda a mulher sonha vestir, foram inspiradas inicialmente em características dos pobres da época como o bronzeado, próprio das camponesas; o vestido preto "Rube Noire", inspirado no uniforme do antigo orfanato de Coco; ou as linhas horizontais, típicas dos marinheiros?

Sinto-me justificado lembrando isso. Mas voltando para a literatura, me regozijo ainda mais em saber que o maior escritor brasileiro de todos os tempos, venerado nacional e internacionalmente, influente até hoje nas mais diversas escolas literárias, Machado de Assis, era negro, pobre e cresceu no subúrbio - ou o popular: preto, pobre e de vila.

Ai, ai...

Sinto-me bem agora. Afinal, você leu esta crônica até o final e sei que, de alguma forma, foi influenciado. Como você viu, temos este hábito.

Eduardo Dorneles
Enviado por Eduardo Dorneles em 21/06/2012
Reeditado em 21/06/2012
Código do texto: T3736970
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